terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Árvores caem na floresta, fazendo barulho

A horda avança entre elas, avaliando, balançando machados, usando serras para coagir notas graves dos pinheiros. Cinco anos atrás, nenhum desses guerreiros tinha visto floresta assim. Em seus lares, os bosques sagrados eram chamados de zuun mod, que significa “uma centena de árvores”, porque uma centena era o número de árvores que eles achavam que podiam ser reunidas em um só lugar.
Muito mais do que cem árvores se erguem ali, uma quantidade tão vasta que ninguém se atreve a numerar. Úmido, o vento frio se derrama das montanhas, e galhos batem como asas de gafanhotos. Guerreiros passam sob as sombras dos pinheiros, fazendo seu trabalho.
Pingentes de gelo pingam e se quebram quando as grandes árvores caem, e abatidas, as árvores deixam vãos no verde que revelam o céu branco e frio. Os guerreiros gostam mais dessas nuvens sem graça do que da escuridão da floresta, mas não tanto quanto amam o azul de casa. Eles amarram os troncos com cordas e os arrastam por entre arbustos pisoteados até o acampamento, onde eles serão descascados e aplainados para que se construa a grande máquina de guerra do Khan.
Uma transformação estranha, alguns acham: quando eram jovens, ganharam sua primeira batalha com arcos, a cavalo, dez homens contra vinte, duzentos contra trezentos. Então aprenderam a usar os rios contra seus inimigos, a derrubar suas muralhas com ganchos fixantes. Agora eles vão de cidade em cidade recolhendo estudiosos, padres e engenheiros, todos que sabem ler ou escrever, que sabem um ofício, e dão a eles tarefas. Vocês terão comida, água, descanso, todo o luxo que um exército em marcha pode oferecer. Em troca, resolvam os problemas que nossos inimigos nos apresentam.
Houve época em que cavaleiros invadiam as fortificações como ondas contra rochedos. (A maioria desses homens nunca viu ondas ou rochedos, mas viajantes carregam histórias de terras distantes.) Agora os cavaleiros arrasam os inimigos, os conduzem aos seus fortes, exigem rendição e, se a rendição não acontece, levantam suas máquinas para desfazer o nó da cidade.
Mas essas máquinas precisam de toras, então os guerreiros são enviados para roubar de fantasmas.
Red, cavalgando há dias, desmonta dentro da floresta. Ela usa um grosso cinturão de utilidades de seda cinza e um chapéu de pele cobre seu cabelo, preservando seu escalpo do frio. Ela anda pesadamente. Ela empertiga os ombros. Está fazendo esse papel por pelo menos uma década. Mulheres cavalgam com a horda — mas ela é um homem agora, pelo menos até onde sabem aqueles que lhe dão ordens, e os que por sua vez seguem as ordens dela.
Ela guarda o projeto na memória para seu relatório. Sua respiração solta vapor, brilha conforme cristais de gelo se formam. Ela sente falta do calor? Ela sente falta de paredes e de um teto? Ela sente falta dos implantes de dormência costurados a seus membros e emaranhados em seu peito que poderiam protegê-la contra esse frio, fazer com que parasse de sentir, selar um campo de força ao redor de sua pele para resguardá-la deste tempo para o qual foi enviada?
Na verdade, não.
Ela nota o verde profundo das árvores. Ela mede o tempo de suas quedas. Ela grava o branco do céu, a ferocidade do vento. Ela lembra os nomes dos homens pelos quais passa. (A maioria é homem.) Dez anos atuando disfarçada, tendo se juntado à horda, provado seu valor e alcançado o posto que almejava, ela se sente preparada para essa guerra.
Ela se preparou para isso.
Outros recuam por respeito e medo enquanto ela examina as toras empilhadas em busca de sinais de podridão. Seu cavalo ruão relincha, pisoteia a terra. Red tira a luva e traça a madeira com a ponta dos dedos, tora por tora, anel por anel, sentindo a idade de cada uma.
Ela para quando encontra a carta.
Ajoelha-se.
Os outros a rodeiam: o que a perturbou tanto? Um mau presságio? Uma maldição? Alguma falha no trabalho do lenhador?
A carta começa no coração da árvore. Anéis, mais grossos aqui e mais finos ali, formam símbolos em um alfabeto que ninguém presente conhece, apenas Red. As palavras são pequenas, às vezes borradas, mas ainda assim: dez anos por linha de texto, e muitas linhas. Mapear raízes, depositar ou drenar nutrientes ano a ano, a mensagem deve ter levado um século para se esculpir. Talvez lendas locais contem de alguma fada ou deusa congelada nesses bosques, vista sempre apenas por um instante. Red pensa em que expressão ela fazia ao empunhar a agulha.
Ela memoriza a mensagem. Sente-a sulco por sulco, linha por linha, e realiza uma lenta aritmética dos anos.
Seus olhos mudam. Os homens ao redor a conhecem há dez anos, mas nunca a viram desse jeito.
Devemos jogar fora? — um deles pergunta.
Ela sacode a cabeça. O tronco deve ser usado. Ou alguém pode encontrar isso e ler o que eu li, é o que ela não diz.
Eles arrastam as toras até o acampamento. Eles as partem, cortam, aplainam, transformam-nas em máquinas de guerra. Duas semanas depois, as tábuas jazem destruídas ao redor das muralhas derrubadas de uma cidade ainda em chamas, ainda em choro. O progresso avança a galope, e o sangue fica para trás.
Abutres circundam, mas eles já se fartaram ali.
A rastreadora cruza a terra estéril, a cidade quebrada. Ela junta as farpas dos destroços das máquinas e, enquanto o sol se põe, as enfia uma a uma em seus dedos.
Sua boca se abre, mas ela não emite nenhum som.

Amal El-Mohtar & Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo

Nenhum comentário:

Postar um comentário