A horda avança entre elas, avaliando,
balançando machados, usando serras para coagir notas graves dos
pinheiros. Cinco anos atrás, nenhum desses guerreiros tinha visto
floresta assim. Em seus lares, os bosques sagrados eram chamados de
zuun mod, que significa “uma centena de árvores”, porque
uma centena era o número de árvores que eles achavam que podiam ser
reunidas em um só lugar.
Muito mais do que cem árvores se erguem
ali, uma quantidade tão vasta que ninguém se atreve a numerar.
Úmido, o vento frio se derrama das montanhas, e galhos batem como
asas de gafanhotos. Guerreiros passam sob as sombras dos pinheiros,
fazendo seu trabalho.
Pingentes de gelo pingam e se quebram
quando as grandes árvores caem, e abatidas, as árvores deixam vãos
no verde que revelam o céu branco e frio. Os guerreiros gostam mais
dessas nuvens sem graça do que da escuridão da floresta, mas não
tanto quanto amam o azul de casa. Eles amarram os troncos com cordas
e os arrastam por entre arbustos pisoteados até o acampamento, onde
eles serão descascados e aplainados para que se construa a grande
máquina de guerra do Khan.
Uma transformação estranha, alguns
acham: quando eram jovens, ganharam sua primeira batalha com arcos, a
cavalo, dez homens contra vinte, duzentos contra trezentos. Então
aprenderam a usar os rios contra seus inimigos, a derrubar suas
muralhas com ganchos fixantes. Agora eles vão de cidade em cidade
recolhendo estudiosos, padres e engenheiros, todos que sabem ler ou
escrever, que sabem um ofício, e dão a eles tarefas. Vocês terão
comida, água, descanso, todo o luxo que um exército em marcha pode
oferecer. Em troca, resolvam os problemas que nossos inimigos nos
apresentam.
Houve época em que cavaleiros invadiam
as fortificações como ondas contra rochedos. (A maioria desses
homens nunca viu ondas ou rochedos, mas viajantes carregam histórias
de terras distantes.) Agora os cavaleiros arrasam os inimigos, os
conduzem aos seus fortes, exigem rendição e, se a rendição não
acontece, levantam suas máquinas para desfazer o nó da cidade.
Mas essas máquinas precisam de toras,
então os guerreiros são enviados para roubar de fantasmas.
Red, cavalgando há dias, desmonta dentro
da floresta. Ela usa um grosso cinturão de utilidades de seda cinza
e um chapéu de pele cobre seu cabelo, preservando seu escalpo do
frio. Ela anda pesadamente. Ela empertiga os ombros. Está fazendo
esse papel por pelo menos uma década. Mulheres cavalgam com a horda
— mas ela é um homem agora, pelo menos até onde sabem aqueles que
lhe dão ordens, e os que por sua vez seguem as ordens dela.
Ela guarda o projeto na memória para seu
relatório. Sua respiração solta vapor, brilha conforme cristais de
gelo se formam. Ela sente falta do calor? Ela sente falta de paredes
e de um teto? Ela sente falta dos implantes de dormência costurados
a seus membros e emaranhados em seu peito que poderiam protegê-la
contra esse frio, fazer com que parasse de sentir, selar um campo de
força ao redor de sua pele para resguardá-la deste tempo para o
qual foi enviada?
Na verdade, não.
Ela nota o verde profundo das árvores.
Ela mede o tempo de suas quedas. Ela grava o branco do céu, a
ferocidade do vento. Ela lembra os nomes dos homens pelos quais
passa. (A maioria é homem.) Dez anos atuando disfarçada, tendo se
juntado à horda, provado seu valor e alcançado o posto que
almejava, ela se sente preparada para essa guerra.
Ela se preparou para isso.
Outros recuam por respeito e medo
enquanto ela examina as toras empilhadas em busca de sinais de
podridão. Seu cavalo ruão relincha, pisoteia a terra. Red tira a
luva e traça a madeira com a ponta dos dedos, tora por tora, anel
por anel, sentindo a idade de cada uma.
Ela para quando encontra a carta.
Ajoelha-se.
Os outros a rodeiam: o que a perturbou
tanto? Um mau presságio? Uma maldição? Alguma falha no trabalho do
lenhador?
A carta começa no coração da árvore.
Anéis, mais grossos aqui e mais finos ali, formam símbolos em um
alfabeto que ninguém presente conhece, apenas Red. As palavras são
pequenas, às vezes borradas, mas ainda assim: dez anos por linha de
texto, e muitas linhas. Mapear raízes, depositar ou drenar
nutrientes ano a ano, a mensagem deve ter levado um século para se
esculpir. Talvez lendas locais contem de alguma fada ou deusa
congelada nesses bosques, vista sempre apenas por um instante. Red
pensa em que expressão ela fazia ao empunhar a agulha.
Ela memoriza a mensagem. Sente-a sulco
por sulco, linha por linha, e realiza uma lenta aritmética dos anos.
Seus olhos mudam. Os homens ao redor a
conhecem há dez anos, mas nunca a viram desse jeito.
— Devemos jogar fora? — um deles
pergunta.
Ela sacode a cabeça. O tronco deve ser
usado. Ou alguém pode encontrar isso e ler o que eu li, é o
que ela não diz.
Eles arrastam as toras até o
acampamento. Eles as partem, cortam, aplainam, transformam-nas em
máquinas de guerra. Duas semanas depois, as tábuas jazem destruídas
ao redor das muralhas derrubadas de uma cidade ainda em chamas, ainda
em choro. O progresso avança a galope, e o sangue fica para trás.
Abutres circundam, mas eles já se
fartaram ali.
A rastreadora cruza a terra estéril, a
cidade quebrada. Ela junta as farpas dos destroços das máquinas e,
enquanto o sol se põe, as enfia uma a uma em seus dedos.
Sua boca se abre, mas ela não emite
nenhum som.
Amal El-Mohtar & Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo
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