A fuga do real,
ainda mais longe a fuga do feérico,
mais longe de tudo, a fuga de si mesmo,
a fuga da fuga, o exílio
sem água e palavra, a perda
voluntária de amor e memória,
o eco
já não correspondendo ao apelo, e este
fundindo-se,
a mão tornando-se enorme e desaparecendo
desfigurada, todos os gestos afinal
impossíveis,
senão inúteis,
a desnecessidade do canto, a limpeza
da cor, nem braço a mover-se nem unha
crescendo.
Não a morte, contudo.
Mas a vida: captada em sua forma
irredutível,
já sem ornato ou comentário melódico,
vida a que aspiramos como paz no cansaço
(não a morte),
vida mínima, essencial; um início; um
sono;
menos que terra, sem calor; sem ciência
nem ironia;
o que se possa desejar de menos cruel:
vida
em que o ar, não respirado, mas me
envolva;
nenhum gasto de tecidos; ausência deles;
confusão entre manhã e tarde, já sem
dor,
porque o tempo não mais se divide em
seções; o tempo
elidido, domado.
Não o morto nem o eterno ou o divino,
apenas o vivo, o pequenino, calado,
indiferente
e solitário vivo.
Isso eu procuro.
Carlos Drummond de Andrade
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