Essa criatura não me tira os olhos.
Coragem da fulaninha, acompanhada como está! Verdade, alguns tipos
não ligam. São eles que as empurram nos braços do outro – isso
os excita. Acabei o meu caso com a Lili, não sei se sabia. Quero
descanso por algum tempo. Não olhe agora. Me comendo com os olhos. É
aquela, sim, na mesa do fundo.
Não te conto nada. Meu velho, a Lili foi
uma experiência. Quando a conheci não sabia quem era.
Apresentados numa festinha. Assim que lhe
apertei a mão, adivinhei tudo: úmida e quente. Aquele olhar –
corruíra de asinha quebrada – inquieto e subentendido. No meio da
frase a voz quebra-se num soluço... Olhar desconfiado, com seu
segredo. Como se não desse a pinta. No toque da mão, no arrepio da
pálpebra, no próprio rebolado. Uma abre o jogo: Adoro o tipo forte,
que amassa na cama, que dá na cara – é certo, gosta de ser
maltratada. Outra é preciosa: fala pausada, gesto manso, o anel do
dedinho apontando isso e aquilo. Acompanhada de velhota, mãe ou tia,
da qual beija a mão trêmula. Ou de coleguinha feia, na esperança
que você diga: Veja a Lili, um coração de ouro.
Os olhos assim de anemia perniciosa. Não
piscam, crescem, crescem a fim de engolir. Lili do tipo difícil,
finge que é. Convidou-me a ir no dia seguinte ao seu apartamento.
Entre, sente-se aqui. Mais perto, não mordo. Ai, meu velho, sou
herói perdido. Não te conto nada (tosse). Tomar um xarope de
agrião. Então expliquei: Não sou disso, Lili. Eu sei, eu sou viva
– e molhava dois dedos na boca para colar a franjinha. Ai, como é
gostoso o amor. Gostoso? Sim. É maravilhoso. Visita de cerimônia.
Nada houve entre nós. Na porta, ela me envolveu o pescoço – nua
debaixo do quimono de seda. Quis me beijar, acendi logo um cigarro.
Horror de beijo de língua, preciso cuspir – não na frente dela,
claro, não tem culpa – para tirar o gosto. Soube que teve um caso
com fulano. Não queira negar, Lili. Mentira daquele safadinho. Não
sou o que está pensando – se o meu homem souber ele me mata. Não
tem medo? Imagine se alguém vai contar. Ai, ele me mata. Ah,
Nelsinho, como você é forte – eu não pareço, não é? Me
ofereceu cigarro de maconha, desconfio que é viciada. Louquinha,
quer beliscar, gosta de morder – olhe o resultado (o rosto chupado,
uma espinha no queixo). Desde pequeno fui assim. No olhar das primas
eu descobria a paixão. O drama de ter sido bonito demais. (Ora, você
ainda é, Nelsinho, ainda é.)
Por este retrato pode ver. Aos cinco
anos, em roupinha de marinheiro. Lili me deixou quase doido por causa
deste retrato. Bebia e depois se arrastava no tapete para que eu
vestisse a farda. Uma de marinheiro, ela mesma improvisou. Imagine só
– um marmanjo deste tamanho! – de calça curta e gorrinho, a fita
em legenda prateada. Sonhava em voz alta, eu não podia dormir. No
sonho ela que estava de marinheiro. Não te conto nada. Embalada no
bercinho pelo maestro Carlos Gomes. O maestro de fraque e botina com
polaina de veludo, sabe quem era? Um sátiro disfarçado de músico.
Que a despia com luva de couro, sofria de erisipela no dedinho torto
de velho. Não me pergunte o significado. Ela se recusou a contar –
iria ficar chocado.
Me olha, a safadinha, se estivesse nu.
Não sei o que vê (exame demorado no espelho da parede). Parece que
sou o tipo. Lili se roía do meu sucesso entre as amigas. No cinema
ficava me espiando em vez de prestar atenção ao filme – olha para
a tela, minha filha, depois se queixa que não entendeu. Não se
vire, pelo amor de Deus. O tipo já reparou. Grisalho, ar tão
distinto. Muita criatura prefere o pai de família, acho que é
insegurança. Lili me confessou a primeira experiência. Um pobre
gordo, não sei quantos filhos. Tanto a perseguiu, deixou quase
louca. Para se ver livre, a coitadinha acabou aceitando. A mulher
soube, exigiu satisfação. Você escolhe entre mim e essa. Já
escolhi, anunciou o pai de família. Na mesma hora despediu-se dela e
dos quatro filhos. Mais tarde Lili o abandonou – um velho de
cinquenta anos! Ele ameaçou: Se não me quer, só posso morrer.
Respondeu a bichinha: Pois que morra. Dias depois, o tipo se
suicidou: cortando o pulso, bebendo veneno, abrindo o gás. Quando
soube, ela comentou: Bem feito! Eu, hein, com meu marinheiro?
Acertei pelo velho as contas com ela –
não deve tratar bem essas criaturas, ainda que o deseje. Olhe a
bichinha provocando. Doida de fazer isso na frente do tipo. Quando
uma se agarra a você, não o deixa para o resto dos dias. Todas
iguais, furiosas de ciúme: Não gosta de mim. Não é mais o mesmo.
Onde você foi? Olhou para outra. Se eu demorava, ia me esperar na
porta. Bebia no mesmo copo, no lugar da boca. Não suporta tomate,
queria comer, entre engulhos, só porque eu gosto. Para me excitar,
despia-se diante da janela – no prédio vizinho todos os tarados de
Curitiba se agarravam aos binóculos.
De noite gemada com vinho branco. Pela
manhã, maçã assada servida na cama – por que não deixa de
beber, querido? Não chateia, Lili. Deixe você de fumar. Ah, só me
quer para uma coisa. Exibia a cicatriz do pulso, com diversos pontos.
Se você me abandona, juro que me mato. Antes escrevo uma carta aos
jornais – e saia nua do banheiro rebolando na rumba com a toalha na
cintura.
Na esperança de ressuscitar o amor
perdido, pede para apanhar. Judie de mim, meu amor. Toda bicha gosta
de ser castigada. Não tapinha leve, bofetão de cinco dedos. Deixe-a
se lastimar que, cara inchada, não pode ganhar para você. Deixe
estar, nunca se desculpe. Se ela perde o respeito, meu velho, está
acabado como gostosão.
Dalton Trevisan, in O vampiro de Curitiba
Nenhum comentário:
Postar um comentário