— Oh, professor, tem algo de errado com
você? — a senhora Miruki ergueu a voz, preocupada, sobre o colo do
professor.
O professor continuou a fitar, sem
palavras, o vazio.
— Seu corpo é tão frio quanto um
cadáver! Eu me sinto gelada, como se estivesse em cima de um bloco
de gelo. Oh, que sensação desagradável! Eu me pergunto se você é
mesmo um ser vivo.
O professor riu.
— Parece que estou vivo e morto ao
mesmo tempo!
— Perdão, você poderia repetir isso?
— ela disse, agarrando-se ao peito dele. Mas de repente a porta foi
irrompida com violência, e um grupo de pessoas entrou, gritando.
Entre eles estava o presidente Miruki e a grisalha secretária de
Estado, madame Asari.
Em um piscar de olhos, a senhora Miruki
saltou do colo do professor. Os grandes olhos esbugalhados do
presidente Miruki se tornaram mais proeminentes do que sua barba, e
ele balançou seus punhos como uma bola de aço enquanto se
aproximava do professor.
— Que cena horrenda tenho diante dos
meus olhos… As leis proíbem relações sexuais entre um plebeu e a
esposa do presidente, eu nunca esperei tal visão. Não sei se você
está ciente disso, mas esse horrendo ato de blasfêmia foi
transmitido em tempo real para o país inteiro. Não apenas eu
testemunhei; toda a nação viu. Presumo que ambos estão conscientes
das consequências de suas ações.
O professor permanecia imperturbável.
— Supondo que houve uma transmissão de
TV enviada para todo o país, tudo o que eu disse neste quarto deve
ter sido ouvido e entendido por todos. Isso sem dúvidas prova minha
inocência.
Madame Asari, então, saiu de trás do
presidente, seu rosto estava vermelho de ódio.
— É uma pena, professor, mas apenas
suas ações foram exibidas na TV. O áudio da transmissão foi
desligado, nem um pio saiu dos alto-falantes. Por isso, duvido que
qualquer cidadão saiba o que você estava dizendo.
— O quê? Transmitir apenas nossas
imagens, mas não as nossas vozes… Você quer que eu acredite em
tal absurdo? Com todo respeito, Vossa Excelência, as regulações
atuais obrigam que as transmissões de TV sejam acompanhadas por
áudio.
A mudança no comportamento do professor
Kohak foi drástica, comparado a minutos atrás.
A secretária de Estado riu sem pudor. —
As leis são decididas pelo presidente. Se agora ele quisesse alterar
a lei para não ser mais necessário a transmissão simultânea de
imagem e áudio, sua objeção não teria mais importância alguma.
Estou errada? É por isso que me sinto honrada em anunciar que a
alteração dessa mesma cláusula foi promulgada hoje. Não é mais
ilegal fazer transmissões apenas com imagens.
— Eu não irei permitir essa história
forjada e depravada de uma suposta relação romântica entre a
madame e eu! Qual o motivo dessa calúnia, dessa fraude? Por favor,
explique de uma vez.
De pé, o professor Kohak cuspiu as
palavras como se cuspisse fogo.
A cor logo desapareceu do rosto barbado
do presidente, mas ele ainda assim deu a ordem, com a voz trêmula.
— Nada disso importa. Secretária
Asari, os dois devem ser executados, como eu já havia decretado.
Imediatamente!
Após essa declaração, ele saiu veloz
do quarto, logo depois de madame Asari, fechando a porta atrás de
si.
A senhora Miruki estava de costas para a
parede e, silenciosa, assistia a tudo. Ela tentou escapar do quarto,
jogando-se contra a porta, em choque pelo que acabara de acontecer,
mas ela, como um muro de aço sólido, não se moveu nem um
centímetro.
— Por favor, abra a porta! O que você
está tentando fazer comigo? Presidente, não era assim que as coisas
deveriam acontecer!
A senhora Miruki bateu na porta de modo
frenético. Depois, pressionou o botão perto dela diversas vezes,
mas ela não deu nenhum sinal de movimento.
Naquele momento, um som sibilante —
como de gás vazando de um cano — veio de algum lugar do quarto.
A mulher foi a primeira a identificar o
que era esse som. Ela começou a apertar o próprio pescoço com
violência.
— Não é possível, isso é gás
venenoso! Por que você quer me matar? Ugh… por favor abra a…
abra a porta.
Com um leve sibilo, o gás cinza e
venenoso, concentrado sobre o chão, rodopiava como névoa e subia
cada vez mais alto. A área ao redor da traqueia da senhora Miruki
logo se transformou em um carmesim profundo. Seus dedos ficaram
vermelhos. Gotículas de sangue salpicaram a seda branca em seu
peito. Pálida, ela arfava como um fole.
O professor Kohak permaneceu imóvel,
como uma figura de argila no meio do gás acinzentado, alheio à
agonia da mulher ao seu lado. Ele parecia estar perdido em
pensamentos.
De repente, ele começou a se mover,
correndo pela sala em círculos, como um esquilo, procurando por algo
nas quatro paredes.
Graças a um receptor de TV, o interior
do quarto podia ser claramente visto do lado de fora. No receptor
montado na parede, via-se a senhora Miruki, em agonia. O professor
continuou a correr em círculos, como se houvesse ficado insano.
Olhando atentos para o receptor da TV,
estavam o presidente Miruki e a secretária de Estado, madame Asari.
Eles assistiam ao desenrolar da cena no quarto, entusiasmados.
Mas logo eles perceberam que algo estava
errado: o rosto do professor agora preenchia a tela da TV. A lente do
transmissor havia, finalmente, sido descoberta. No instante seguinte,
quando o professor levantou uma cadeira acima de sua cabeça, a
imagem piscou e se apagou.
De pé na frente do receptor, ambos se
revezavam na tentativa de trazer a imagem de volta, mas a tela não
voltou a transmitir de novo. O dispositivo encontrado no interior da
sala fora completamente destruído.
O presidente Miruki e a grisalha madame
Asari se entreolharam.
— Não podemos ver nada. O que devemos
fazer?
— Não precisamos mais assistir. Está
óbvio que os dois vão morrer aí dentro.
— Não tenho tanta certeza, madame.
— Eu não tenho dúvidas.
Assim que ela disse isso, um rugido
ensurdecedor veio do aposento onde o gás se espalhava.
Miruki exclamou, surpreso, cobrindo seus
ouvidos. — O que está acontecendo lá?
— Presidente, rápido, vamos ver o que
aconteceu. O professor pode ter quebrado a porta e escapado.
Mas a porta ainda estava intacta. Após
discutir a respeito, eles decidiram tentar abrir a porta. Um guarda
eletricista ligou a energia do local, para que a porta descesse
devagar quando eles apertassem o botão.
Eles correram para dentro do quarto.
Parecia que uma grande explosão havia acontecido, não sobrando nada
das decorações luxuosas — um grande estado de ruína que doía
nos olhos. Braços e pernas foram encontrados aos pedaços no chão.
Quando a secretária entrou no quarto para pegar um dos membros, uma
chama de repente envolveu o chão com um vush, como se esperasse pela
chegada dos dois. Até mesmo a madame Asari — em geral, uma mulher
forte e corajosa — ficou petrificada, sem saber como agir naquela
situação. Os pedaços de corpos espalhados pelo piso desapareceram
nas chamas.
Os corpos da senhora Miruki e do
professor Kohak provavelmente se transformaram em fumaça, que já
flutuava pelo Setor Aloaa. Mas a fonte da explosão nunca foi
encontrada. A única possibilidade que veio à mente deles foi que o
professor carregava aquilo consigo. O presidente Miruki não foi
capaz de encontrar uma resposta satisfatória do motivo pelo qual
Kohak preparou um explosivo e o ativou, suicidando-se no processo.
Juza Unno, in A última transmissão
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