Ele esticou as pernas, satisfeito, na
fileira de emergência. Nem era tão alto, mas o espaço era bom, e
ele gostava. Brilhante decisão, trocar o 7B pelo 16F. Eram onze
horas de voo.
O que ele não sabia era que ela estava
no 7A.
Ela quem?
Ela. A moça bonita, de olhos cor de
musgo, cheia de dentes brancos e pescoço comprido. Moça que ele não
viu passar na sua frente na sala de embarque porque estava olhando
pro Facebook pela quarta vez.
Nem a viu prender os cabelos grossos num
coque frouxo na fila do check in e depois dar uma batucadinha no
passaporte. Todos os outros viram.
Ele não sabia que, se não tivesse
aberto mão do 7B, ela sorriria ao ver sua dificuldade com a porta do
maleiro. E que ele repararia nas mãos com esmalte cor de ameixa
agarradas aos braços da poltrona no momento da decolagem.
Também não sabia que ambos pediriam à
aeromoça massa, vinho branco com uma aguinha sem gás e chá.
Ou que conversariam baixinho quando os
outros adormecessem, até ela descobrir que ele também gostava de
Elza Soares e ele descobrir que ela também detestava mandioquinha.
Nem que ela cochilaria um pouco, com a
boca entreaberta, virada para ele. E que ele, ouvindo Ben Harper no
fone de ouvido, teria uma súbita, inesperada e velada vontade de não
tirar os olhos dela nunca mais.
Ele não sabia que ela, além de doce,
era livre e gostava de pessoas que nunca tinham aparecido antes. E
que ia gostar de ele ter aparecido ali.
Ele não sabia que a sua Marília não
era a mulher da sua vida e que a moça do 7A poderia carregar na
barriga, um dia, um molequinho com os olhos cor de musgo dela e os
cílios escuros e generosos dele.
E que eles iriam ao estádio, ao Marrocos
e à feira de alimentos orgânicos juntos.
Ele não sabia nada disso. Esticou as
pernas e teve um ótimo voo.
Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor
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