terça-feira, 26 de outubro de 2021

A caminho de casa

Marinheiros, içar ferro! Peito às barras do cabrestante!”
Força, meus jovens! Estamos a caminho de casa!”
A caminho de casa! Música para os ouvidos! Já esteve a caminho de casa? Não? Rápido! Tome para si as asas da aurora, ou as velas de um navio, e voe rumo aos mais ermos pontos da Terra. Neles, permaneça por um ou dois anos; e, então, que o mais áspero dos contramestres — os pulmões, inteira rouquidão — grite tais palavras mágicas, e você vai jurar que “a harpa de Orfeu não era mais encantadora”.
Estava tudo pronto — os botes, içados; os cabos das varredouras, gornidos; o cabo de ala e larga, abotoado; as barras do cabrestante, metidas; a escada de portaló, recolhida ao porão —, e assim, em êxtase, sentamo-nos para a ceia. Na praça-d’armas, os lugares-tenentes brindavam aos amigos, fazendo circular o Porto mais envelhecido; no alojamento, os aspirantes se ocupavam de levantar fundos para liquidar as cobranças da lavanderia ou — no jargão dos marinheiros — preparavam-se para deixar seus credores a ver navios. À popa, o capitão mirava a barlavento; e, em seu amplo e inacessível camarote, o alto e poderoso comodoro permanecia em silêncio, imponente, como a estátua de Júpiter em Dodona.
Estávamos todos em nossos melhores e mais garbosos trajes; os colarinhos do fardamento caíam-nos por sobre os ombros como faixas de céu azul; nossas sapatilhas mostravam-se tão leves e alegres que dançávamos sem qualquer cerimônia enquanto ceávamos.
Era na coberta dos canhões que estendíamos nossas ceias; ocupando todos os espaços entre as bocas de fogo; e ali, ao chão, sentados de pernas cruzadas, seria de imaginar que estávamos rodeados de uma centena de fazendas e pomares, tal era o alardear de patos, galinhas e gansos e o mugir dos bois e o balir das ovelhas, cercados, aqui e ali, pelo espaço da coberta para o repasto marítimo dos oficiais. Mais rurais que navais eram os sons; a todo o tempo fazendo recordar aos filhos de uma boa mãe o antigo lar em sua verde paisagem; os velhos e arquejados olmos; a colina em que brincávamos, e as margens do regato, cobertas de cevada, em que nos banhávamos.
Marinheiros, içar ferro!”
Dada a ordem, com que celeridade saltamos às barras e as empurramos ao redor daquele cabrestante; cada homem um Golias, cada tendão um cabo de reboque! Girando e girando, fazendo-o rodar como uma esfera, marcando com os pés o tempo ao som do pífaro, até que o cabo atingiu a tensão máxima, e o navio apontando a proa ao mar.
Alar e aguentar o socairo! Recolher barras e fazer-se à vela!”
Assim se fez: os homens às barras do cabrestante, os responsáveis pelos michelos, os que aduchavam e os que deixavam correr os cabos, e os que nada faziam, apinhando-se escada acima rumo às adriças e estais; enquanto, como macacos trepados em palmeiras, os homens que desferravam as velas atravessavam céleres aqueles imensos galhos, nossas vergas; e assim descíamos panos como as nuvens brancas do etéreo — velas de gávea, joanetes e sobrejoanetes; e para longe corríamos com as adriças, até que todos os panos se desfraldassem.
Outra vez ao cabrestante!”
Alar, meus valentes homens! Alar a valer!”
Com um tranco e um solavanco, começamos a ganhar terreno; e por nossa proa subiram os muitos milhares de quilos de aço velho sob a forma de uma imensa âncora.
Onde estava Jaqueta Branca na ocasião?
Jaqueta Branca estava em seu devido lugar. Foi Jaqueta Branca quem, no mastro principal, desferrou a vela de sobrejoanete grande, ali, tão alta, que mais parecia a asa branca de um albatroz. E foi o próprio Jaqueta Branca quem confundiram com tal ave, enquanto ele percorria célere o vertiginoso lais de verga!

Herman Melville, in Jaqueta Branca

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