sábado, 2 de outubro de 2021

Descritivo

As formigas passeiam na parede,
perto de um vidro de cola que perdeu a rolha. Há mais:
um maço de jornais, uma bilha e seu gargalo fálico,
um copo de plástico laranjado e um quiabo seco,
guardado ali por causa das sementes.
Tudo sobre uma cômoda, num quarto.
O vidro de cola está arrolhado com uma bucha de papel.
É sábado, é tarde, é túrgida minha bexiga feminina
e por isso vai ser menos belo que eu me levante e a esvazie.
Os analistas dirão, segundo Freud: ‘complexo de castração’.
Eu não digo nada, pela primeira vez, humildemente.
Vou me deitar para dormir, não antes sem rezar,
pelos meus e os teus.

Adélia Prado

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