sábado, 2 de outubro de 2021

Aspirador de CO2

Em uma imagem muito simples e disseminada dos ciclos da natureza, as árvores são sinônimo de equilíbrio. Realizam a fotossíntese e produzem hidrocarbonetos, que usam para o próprio crescimento, e ao longo da vida armazenam até 20 toneladas de CO2 no tronco, nos galhos e nas raízes. Quando morrem, é exatamente essa a quantidade de gases do efeito estufa liberada por fungos e bactérias que digerem e processam a madeira e em seguida exalam o gás. É nesse conceito que se baseia a afirmação de que a queima de madeira teria um efeito neutro na atmosfera, afinal, tanto faz se quem vai decompor a madeira são pequenos organismos – que vão transformá-la em gás – ou o fogo. Mas a floresta não funciona de forma tão simples. Na verdade, trata-se de um gigantesco aspirador de CO2, que filtra e armazena continuamente esse componente do ar.
De fato, parte do CO2 volta à atmosfera depois da morte da árvore, mas a maioria permanece no ecossistema. Aos poucos a madeira morta é devorada por diversas espécies, quebrada em pedaços cada vez menores e, com isso, centímetro a centímetro, processada a uma profundidade cada vez maior no solo. A chuva satura os restos orgânicos e cuida do restante. Quanto mais fundo no solo, mais baixa a temperatura, e quanto mais frio, mais lenta a vida se torna, até chegar ao ponto de quase estagnar por completo. Portanto o CO2 ganha a forma final de húmus e aos poucos continua se enriquecendo. Num futuro muito distante, talvez se transforme em linhito ou carvão mineral.
As reservas dessa matéria-prima fóssil têm hoje cerca de 300 milhões de anos e também se originaram das árvores. Eram um pouco diferentes das espécies atuais, mas de tamanho semelhante ao das que vemos hoje (lembravam samambaias ou cavalinhas de 30 metros de altura e 2 metros de diâmetro). A maioria das árvores crescia em pântanos e, quando morria, caía no charco, onde seu tronco quase não se decompunha. No decorrer dos milênios, os troncos formaram camadas grossas de turfa, que mais tarde foram cobertas de cascalho. Com a pressão que sofreram desse peso, aos poucos se transformaram em carvão. Por isso, nas grandes usinas elétricas tradicionais, queimamos florestas fósseis. Não seria ótimo e sensato se, em vez disso, déssemos às árvores a chance de seguir o caminho de suas ancestrais? Com isso, poderiam recapturar uma parte do CO2 e armazená-la no solo.
Atualmente quase não há formação de carvão, pois as florestas são constantemente desmatadas para a exploração madeireira. Com o caminho livre, os fortes raios do sol incidem sobre o solo e expulsam as espécies que ali vivem. Para fugir do calor, elas vão para o subsolo e consomem as últimas reservas de húmus também nessas camadas mais remotas. Como resultado, o gás eliminado sobe para a atmosfera.
Mesmo nessa situação adversa, basta um passeio pela floresta para vermos ao menos os estágios iniciais do processo de formação do carvão. Para isso, é preciso apenas cavar um pouco a terra até chegar a uma camada mais clara. Até aí, a parte mais superficial e escura é altamente enriquecida com carbono. Se deixássemos a floresta em paz, ela formaria carvão, gás ou petróleo. Esse processo continua acontecendo ininterruptamente nas grandes áreas de proteção, como as zonas centrais de parques nacionais. Aliás, a escassez de camadas de húmus não é resultado apenas da exploração florestal dos dias de hoje: já no passado os romanos e celtas desmatavam florestas e interrompiam os processos naturais.
Mas será que para as árvores tem algum sentido se livrar de seu alimento preferido continuamente? E não são só as árvores que fazem isso: todas as plantas, inclusive as algas, filtram e armazenam o CO2 da atmosfera. Quando a planta morre, o CO2 afunda com ela na lama e forma ligações de carbono. Graças a esses restos mortais (e aos restos dos animais, como o calcário excretado pelos corais, um dos maiores depósitos de CO2 do planeta), uma enorme quantidade de carbono foi retirado da atmosfera ao longo de centenas de milhões de anos. No período de surgimento dos maiores depósitos de carvão do planeta, a concentração de CO2 era nove vezes superior aos valores atuais. Depois, as florestas antigas (entre outros fatores) reduziram dois terços dessa concentração, que ainda assim era o triplo da atual.
Mas qual seria o limite das nossas florestas? Elas continuariam armazenando carbono indefinidamente até retirar todo o gás da atmosfera? Como vivemos numa sociedade consumista, essa pergunta já não tem mais importância, pois revertemos essa tendência enquanto esvaziamos todos os depósitos de carbono do planeta, queimando petróleo, gás e carvão na forma de carburantes e combustíveis e liberando-os no ar.
Deixando de lado a questão da mudança climática, seria vantajoso liberarmos para a atmosfera os gases de efeito estufa presos no subsolo? Eu não iria tão longe, mas o aumento da concentração de CO2 na atmosfera funcionou como um fertilizante. As árvores têm crescido mais rápido, como comprovam os últimos documentos de análise florestal. As planilhas de estimativa da produção de madeira precisaram ser ajustadas, pois a biomassa cresce hoje 33% mais depressa do que crescia há poucas décadas.
Como isso aconteceu? Para a árvore, crescer lentamente é fundamental para alcançar a velhice. Acontece que esse crescimento impulsionado pela liberação e pelo aproveitamento do nitrogênio vindo da agricultura não é nada saudável. Assim, continua valendo a antiga regra: menos (CO2) é mais (tempo de vida).
Na faculdade aprendi que as árvores jovens são mais saudáveis e crescem mais rápido que as velhas. Esse ensinamento ainda se aplica e deixa implícito que as florestas devem ser rejuvenescidas (ou seja, troncos antigos devem ser derrubados e substituídos por árvores jovens). Só dessa forma as florestas podem permanecer estáveis, produzir mais madeira e absorver mais CO2 do ar. Dependendo da espécie, a energia empregada no crescimento começa a diminuir entre os 60 e os 120 anos – momento de ligar as máquinas de colheita da madeira. Será que o ideal da juventude eterna, tão controverso e discutido na nossa sociedade, foi simplesmente transferido para a floresta? Ao menos é essa a impressão, pois, se comparada aos padrões humanos, uma árvore de 120 anos seria adolescente.
No entanto, um estudo de uma equipe internacional de pesquisadores sugere que as hipóteses científicas que citei parecem ser completamente enganosas. Para chegar a essa conclusão, os cientistas avaliaram cerca de 700 mil árvores de todos os continentes. O resultado foi surpreendente: quanto mais velha a árvore, mais rápido ela cresce. Assim, árvores com 1 metro de diâmetro de tronco produziam três vezes mais biomassa do que espécimes que tinham apenas metade dessa largura.31 Portanto, no caso das árvores, ser velha não significa ser fraca, curvada e frágil. Pelo contrário: as árvores idosas são eficientes e cheias de energia. São claramente mais produtivas que as jovens, além de importantes aliadas do homem na mudança climática. Assim, desde a publicação desse estudo, a técnica de rejuvenescimento das florestas para lhes dar vitalidade deve, no mínimo, ser considerada um erro. Quando muito, no que diz respeito à exploração da madeira, a partir de certa idade a árvore perde valor, pois os fungos começam a decompor o interior do tronco, mas isso não impede seu crescimento posterior. Se quisermos usar as florestas para combater a mudança climática, precisaremos deixá-las envelhecer, como exigem as grandes organizações de proteção à natureza.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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