Em uma imagem muito simples e disseminada
dos ciclos da natureza, as árvores são sinônimo de equilíbrio.
Realizam a fotossíntese e produzem hidrocarbonetos, que usam para o
próprio crescimento, e ao longo da vida armazenam até 20 toneladas
de CO2 no tronco, nos galhos e nas raízes. Quando morrem, é
exatamente essa a quantidade de gases do efeito estufa liberada por
fungos e bactérias que digerem e processam a madeira e em seguida
exalam o gás. É nesse conceito que se baseia a afirmação de que a
queima de madeira teria um efeito neutro na atmosfera, afinal, tanto
faz se quem vai decompor a madeira são pequenos organismos – que
vão transformá-la em gás – ou o fogo. Mas a floresta não
funciona de forma tão simples. Na verdade, trata-se de um gigantesco
aspirador de CO2, que filtra e armazena continuamente esse componente
do ar.
De fato, parte do CO2 volta à atmosfera
depois da morte da árvore, mas a maioria permanece no ecossistema.
Aos poucos a madeira morta é devorada por diversas espécies,
quebrada em pedaços cada vez menores e, com isso, centímetro a
centímetro, processada a uma profundidade cada vez maior no solo. A
chuva satura os restos orgânicos e cuida do restante. Quanto mais
fundo no solo, mais baixa a temperatura, e quanto mais frio, mais
lenta a vida se torna, até chegar ao ponto de quase estagnar por
completo. Portanto o CO2 ganha a forma final de húmus e aos poucos
continua se enriquecendo. Num futuro muito distante, talvez se
transforme em linhito ou carvão mineral.
As reservas dessa matéria-prima fóssil
têm hoje cerca de 300 milhões de anos e também se originaram das
árvores. Eram um pouco diferentes das espécies atuais, mas de
tamanho semelhante ao das que vemos hoje (lembravam samambaias ou
cavalinhas de 30 metros de altura e 2 metros de diâmetro). A maioria
das árvores crescia em pântanos e, quando morria, caía no charco,
onde seu tronco quase não se decompunha. No decorrer dos milênios,
os troncos formaram camadas grossas de turfa, que mais tarde foram
cobertas de cascalho. Com a pressão que sofreram desse peso, aos
poucos se transformaram em carvão. Por isso, nas grandes usinas
elétricas tradicionais, queimamos florestas fósseis. Não seria
ótimo e sensato se, em vez disso, déssemos às árvores a chance de
seguir o caminho de suas ancestrais? Com isso, poderiam recapturar
uma parte do CO2 e armazená-la no solo.
Atualmente quase não há formação de
carvão, pois as florestas são constantemente desmatadas para a
exploração madeireira. Com o caminho livre, os fortes raios do sol
incidem sobre o solo e expulsam as espécies que ali vivem. Para
fugir do calor, elas vão para o subsolo e consomem as últimas
reservas de húmus também nessas camadas mais remotas. Como
resultado, o gás eliminado sobe para a atmosfera.
Mesmo nessa situação adversa, basta um
passeio pela floresta para vermos ao menos os estágios iniciais do
processo de formação do carvão. Para isso, é preciso apenas cavar
um pouco a terra até chegar a uma camada mais clara. Até aí, a
parte mais superficial e escura é altamente enriquecida com carbono.
Se deixássemos a floresta em paz, ela formaria carvão, gás ou
petróleo. Esse processo continua acontecendo ininterruptamente nas
grandes áreas de proteção, como as zonas centrais de parques
nacionais. Aliás, a escassez de camadas de húmus não é resultado
apenas da exploração florestal dos dias de hoje: já no passado os
romanos e celtas desmatavam florestas e interrompiam os processos
naturais.
Mas será que para as árvores tem algum
sentido se livrar de seu alimento preferido continuamente? E não são
só as árvores que fazem isso: todas as plantas, inclusive as algas,
filtram e armazenam o CO2 da atmosfera. Quando a planta morre, o CO2
afunda com ela na lama e forma ligações de carbono. Graças a esses
restos mortais (e aos restos dos animais, como o calcário excretado
pelos corais, um dos maiores depósitos de CO2 do planeta), uma
enorme quantidade de carbono foi retirado da atmosfera ao longo de
centenas de milhões de anos. No período de surgimento dos maiores
depósitos de carvão do planeta, a concentração de CO2 era nove
vezes superior aos valores atuais. Depois, as florestas antigas
(entre outros fatores) reduziram dois terços dessa concentração,
que ainda assim era o triplo da atual.
Mas qual seria o limite das nossas
florestas? Elas continuariam armazenando carbono indefinidamente até
retirar todo o gás da atmosfera? Como vivemos numa sociedade
consumista, essa pergunta já não tem mais importância, pois
revertemos essa tendência enquanto esvaziamos todos os depósitos de
carbono do planeta, queimando petróleo, gás e carvão na forma de
carburantes e combustíveis e liberando-os no ar.
Deixando de lado a questão da mudança
climática, seria vantajoso liberarmos para a atmosfera os gases de
efeito estufa presos no subsolo? Eu não iria tão longe, mas o
aumento da concentração de CO2 na atmosfera funcionou como um
fertilizante. As árvores têm crescido mais rápido, como comprovam
os últimos documentos de análise florestal. As planilhas de
estimativa da produção de madeira precisaram ser ajustadas, pois a
biomassa cresce hoje 33% mais depressa do que crescia há poucas
décadas.
Como isso aconteceu? Para a árvore,
crescer lentamente é fundamental para alcançar a velhice. Acontece
que esse crescimento impulsionado pela liberação e pelo
aproveitamento do nitrogênio vindo da agricultura não é nada
saudável. Assim, continua valendo a antiga regra: menos (CO2) é
mais (tempo de vida).
Na faculdade aprendi que as árvores
jovens são mais saudáveis e crescem mais rápido que as velhas.
Esse ensinamento ainda se aplica e deixa implícito que as florestas
devem ser rejuvenescidas (ou seja, troncos antigos devem ser
derrubados e substituídos por árvores jovens). Só dessa forma as
florestas podem permanecer estáveis, produzir mais madeira e
absorver mais CO2 do ar. Dependendo da espécie, a energia empregada
no crescimento começa a diminuir entre os 60 e os 120 anos –
momento de ligar as máquinas de colheita da madeira. Será que o
ideal da juventude eterna, tão controverso e discutido na nossa
sociedade, foi simplesmente transferido para a floresta? Ao menos é
essa a impressão, pois, se comparada aos padrões humanos, uma
árvore de 120 anos seria adolescente.
No entanto, um estudo de uma equipe
internacional de pesquisadores sugere que as hipóteses científicas
que citei parecem ser completamente enganosas. Para chegar a essa
conclusão, os cientistas avaliaram cerca de 700 mil árvores de
todos os continentes. O resultado foi surpreendente: quanto mais
velha a árvore, mais rápido ela cresce. Assim, árvores com 1 metro
de diâmetro de tronco produziam três vezes mais biomassa do que
espécimes que tinham apenas metade dessa largura.31 Portanto, no
caso das árvores, ser velha não significa ser fraca, curvada e
frágil. Pelo contrário: as árvores idosas são eficientes e cheias
de energia. São claramente mais produtivas que as jovens, além de
importantes aliadas do homem na mudança climática. Assim, desde a
publicação desse estudo, a técnica de rejuvenescimento das
florestas para lhes dar vitalidade deve, no mínimo, ser considerada
um erro. Quando muito, no que diz respeito à exploração da
madeira, a partir de certa idade a árvore perde valor, pois os
fungos começam a decompor o interior do tronco, mas isso não impede
seu crescimento posterior. Se quisermos usar as florestas para
combater a mudança climática, precisaremos deixá-las envelhecer,
como exigem as grandes organizações de proteção à natureza.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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