quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A poesia

Chegas, silenciosa, secreta,
e despertas os furores, os gozos,
e esta angústia
que acende o que toca
e engendra em cada coisa
uma avidez sombria.

O mundo cede e se desmancha
como metal ao fogo.
Entre minhas ruínas me ergo,
sozinho, desnudo, despojado,
sobre a rocha imensa do silêncio,
como um solitário combatente
contra invisíveis tropas.

Verdade abrasadora,
para o que me empurras?
Não quero tua verdade,
tua insensata pergunta.
Para que esta luta estéril?
Não é o homem criatura capaz de conter-se,
avidez que só na sede se sacia,
chama que a todos os lábios consome,
espírito que não vive em nenhuma forma
mas faz arder todas as formas.

Sobes desde o mais fundo de mim,
desde o centro inominável de meu ser,
exército, maré.
Cresces, tua sede me afoga,
expulsando, tirânica,
aquilo que não cede
à tua espada frenética.
Já tão somente tu me habitas,
tu, sem nome, furiosa substância,
avidez subterrânea, delirante.

Golpeiam meu peito teus fantasmas,
despertas para meu tato,
gelas minha testa,
abres meus olhos.

Percebo o mundo e te toco,
substância intocável,
unidade de minha alma e de meu corpo,
e contemplo o combate que combato
e minhas bodas de terra.

Nublam meus olhos imagens opostas,
e as mesmas imagens
outras, mais profundas, negam-nas,
ardente balbucio,
águas que afoga uma água mais oculta e densa.
Em sua úmida treva vida e morte,
quietude e movimento, são o mesmo.

Insiste, vencedora,
porque existo tão somente porque existes,
e minha boca e minha língua se formaram
para dizer tão somente tua existência
e tuas secretas sílabas, palavra
impalpável e despótica,
substância de minha alma.

És tão somente um sonho,
porém em ti sonha o mundo
e sua mudez fala com tuas palavras.
Ao tocar teu peito roço
a elétrica fronteira da vida,
a treva de sangue
onde pactua a boca cruel e enamorada,
ávida ainda por destruir o que ama
e reviver o que destrói,
com o mundo, impassível
e sempre idêntico a si mesmo,
porque não se detém em nenhuma forma
nem se demora sobre o que engendra.

Leva-me, solitária,
leva-me entre os sonhos,
leva-me, mãe minha,
desperta-me do todo,
me faz sonhar teu sonho,
unta meus olhos com azeite,
para que ao conhecer-te me conheça.

Octavio Paz

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