“... e essa história só não é
rápida porque as palavras não são rápidas. Trata-se de uma
pessoa. Morava num quarto alugado na casa de uma família. Era uma
família ocupada, embaraçada em seus inúmeros deveres e pouco
tomavam conhecimento da mulher do quarto alugado. Às vezes o pai ou
um dos filhos passava para o banheiro e havia frases curtas trocadas.
Depois de algum tempo nem mesmo essa conversa se fazia senão como um
murmúrio, e depois incorporou-se ao silêncio. Quanto à pessoa, era
uma mulher de meia-idade. Tratava-se de pessoa cuidadosa com os seus
pertences, ciosa da própria limpeza. Seu quarto, aliás, a refletia
bastante: era limpo e quase vazio. Pois foi essa mulher –
inclassificável a menos que se descesse com interesse às
profundezas de seu pensamento, o que não ocorreria a ninguém, tão
desinteressante ela era –, pois foi essa mulher que viveu
silenciosamente uma aventura. E, por mais estranho, uma aventura
espiritual...”
Simplesmente não me lembro que história
eu estava pretendendo contar, ao escrever essas linhas. Sei que era
para ser um conto, mas que aventura espiritual seria? Não me lembro
mais, e deixo aos leitores menos experientes, que escrevem ainda como
exercício, o trabalho de continuar... Apenas enfunei uma vela e esta
se fez ao mar. Mas e o rumo? Perdi a bússola.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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