quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O carvalho: um bobo?

Chuva em uma floresta de carvalhos (1891), de Ivan Ivanovich Shishkin


Quando passeio pela nossa reserva, sempre vejo carvalhos doentes, às vezes sofrendo bastante. Um sinal claro são os “galhos ladrões” que nascem em volta do tronco e em geral ressecam rapidamente. Eles mostram que a árvore se encontra em uma longa batalha pela vida e entrou em pânico. Essa tentativa de crescer tão abaixo da copa não tem sentido, pois o carvalho é uma árvore que precisa de muita luz para realizar a fotossíntese. Nas partes mais baixas, os galhos não obtêm a energia de que precisam, então secam depressa.
Uma árvore saudável prefere estender a copa a investir na formação desses galhos – pelo menos é o que acontece em momentos tranquilos. Mas os carvalhos das florestas da Europa Central passam por dificuldades, pois essa é a terra natal da faia, espécie de árvore socialmente bem desenvolvida, porém apenas ao lidar com outras da mesma espécie. Árvores de espécies diferentes são fortemente reprimidas por ela até definharem.
O processo começa de forma lenta e inofensiva: um gaio enterra um fruto de faia aos pés de um poderoso carvalho. Como o fruto tem reservas de nutrientes, permanece inativo e germina na primavera seguinte. A partir daí cresce lenta e sorrateiramente durante muitas décadas. Embora sinta falta da árvore-mãe, pelo menos a jovem faia conta com a sombra do carvalho, que contribui para que a muda cresça devagar e com saúde.
Apesar de parecer harmônica acima da terra, no subterrâneo a relação entre as duas espécies diferentes é de batalha pela vida. As raízes da faia ocupam cada espaço não utilizado pelo carvalho, infiltra-se em seu tronco e puxa água e nutrientes. Aos poucos isso enfraquece a árvore adulta. Depois de 150 anos, a faia cresceu tanto que aos poucos entremeia a copa do carvalho. Em algumas décadas, ultrapassa-a, pois, ao contrário do carvalho, a faia é capaz de ampliar a copa e crescer praticamente a vida inteira.
A essa altura as folhas da faia já recebem luz direta do sol, e a árvore absorve uma quantidade grande de energia e pode se alargar. Forma uma copa exuberante, que capta 97% da luz do sol, algo comum para a espécie. O carvalho fica em segundo plano, abaixo da faia, onde suas folhas buscam em vão a luz. Sua produção de açúcar diminui de maneira drástica, as reservas são exauridas e, aos poucos, a árvore morre de fome. Ela percebe que nunca mais conseguirá formar brotos longos, que não é mais capaz de fazer frente à forte concorrência e não ultrapassará a faia.
Desesperado, talvez até em pânico, o carvalho toma uma atitude que vai contra todas as regras de etiqueta da floresta: forma galhos e folhas na parte inferior do tronco. Essas folhas são especialmente grandes e macias, sobrevivem com menos luz do que as da copa. Ainda assim, os 3% que chegam a elas são insuficientes. Os galhos secam, e a valiosa energia restante da árvore é gasta inutilmente. Nesse estágio de fome, o carvalho ainda resiste por algumas décadas, mas em dado momento desiste. Suas forças se esgotam, e às vezes besouros da família dos buprestídeos depositam seus ovos na casca da árvore e encurtam o processo. Quando as larvas nascem, devoram a pele da árvore indefesa e a matam.
Então, como uma árvore tão fraca se transformou num símbolo de força e longevidade? Na maioria das florestas o carvalho de fato é subjugado pela faia, mas quando não tem concorrência ele é muito bem-sucedido – por exemplo, em espaços abertos, mais especificamente em terras cultivadas. Nesse ambiente modificado pelo homem, longe da acolhedora atmosfera da floresta, a faia mal alcança os 200 anos, ao passo que o carvalho ultrapassa os 500 anos sem dificuldade, por exemplo, ao lado de casas de fazenda ou em campo aberto.
Uma ferida profunda no tronco ou uma fenda aberta por um raio não prejudicam um carvalho, pois sua madeira é permeada de substâncias inibidoras de fungos, os taninos, que inibem o processo de decomposição e repelem a maioria dos insetos. Além disso, esse meio de defesa tem um efeito colateral para o homem: melhora o gosto do vinho armazenado em barris. Mesmo carvalhos muito danificados, com galhos principais quebrados, conseguem reconstruir a copa e sobreviver por alguns séculos, algo impossível para a maioria das faias, sobretudo para os espécimes que vivem fora das florestas e longe de sua comunidade. Quando atingida por uma tempestade, a faia sobrevive no máximo mais algumas décadas.
Na nossa reserva o carvalho também prova como é extremamente resistente a condições inóspitas. Em uma encosta voltada para o sul, algumas árvores se agarraram às rochas nuas com suas raízes. Quando o calor do verão esquenta as rochas a ponto de ficar insuportável, a pouca água do local evapora. No inverno, a geada penetra fundo, pois ali não existe a proteção de uma camada grossa de terra forrada por uma cobertura alta de folhas em decomposição. As folhas são levadas ao menor vento, e só alguns poucos líquenes se acomodam nas rochas, mas não isolam a árvore de temperaturas extremas.
Como resultado, com um século de vida as pequenas árvores têm o diâmetro de um braço e no máximo 5 metros de altura. Enquanto os carvalhos que vivem na floresta já ultrapassaram 30 metros e formaram troncos robustos, as árvores da encosta sobrevivem modestamente e se satisfazem com o status de arbustos. Se vivessem privações tão extremas, outras espécies já teriam desistido há muito tempo.
Por outro lado, esses carvalhos não precisam se preocupar com a concorrência de outras espécies de árvores. Ou seja, viver nessa localização inóspita também traz suas vantagens. Além disso, o córtex grosso do carvalho é nitidamente bem mais robusto que a pele lisa e fina da faia e o defende de inimigos externos. Podemos dizer então que o carvalho é uma espécie poderosa.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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