Grafite de Paul Eluard (1936), de Pablo Picasso
Meu camarada Paul Éluard morreu faz
pouco tempo. Era tão íntegro, tão denso, que me custou dor e
trabalho acostumar com seu desaparecimento. Era um normando azul e
rosa, de aspecto grave e delicado. A guerra de 14, na qual foi vítima
de gases duas vezes, deixou-o para sempre de mãos trêmulas. Mas
Éluard me deu em todos os momentos a ideia da cor celeste, de uma
água profunda, de uma doçura que conhecia a força. Sua poesia tão
pura, transparente como as gotas de uma chuva de primavera contra os
cristais, fazia com que Paul Éluard parecesse um homem apolítico,
um poeta contra a política. Não era assim. Sentia-se fortemente
ligado ao povo da França, à sua causa e à sua luta.
Paul Éluard era firme, uma espécie de
torre francesa, com essa lucidez apaixonada que não é o mesmo que a
estupidez apaixonada tao comum.
Pela primeira vez, no México, para onde
viajamos juntos, vi-o à beira de um abismo escuro, ele que sempre –
com uma sábia perseverança – rejeitou a tristeza.
Estava abatido. Eu tinha convencido e
arrastado este francês central para essas terras distantes e ali, no
mesmo dia em que enterramos José Clemente Orozco, caí doente com
uma perigosa tromboflebite que me manteve quatro meses preso à cama.
Paul Éluard sentiu-se solitário, sombriamente solitário, com o
desamparo do explorador cego. Não conhecia ninguém, as portas não
se abriam para ele. A viuvez o acometeu e se sentia ali sozinho e sem
amor. Dizia-me: “Precisamos ver a vida com companhia, participar em
todos os fragmentos da vida. É irreal e criminosa a minha solidão.”
Chamei meus amigos e o obrigamos a sair.
De má vontade o levaram a percorrer os caminhos do México e em um
desses recantos se encontrou com o amor, com seu último amor:
Dominique.
É muito difícil para mim escrever sobre
Paul Éluard. Continuarei vendo-o vivo junto de mim, acesa em seus
olhos a elétrica profundidade azul que olhava tão amplamente e de
tão longe.
Saía do solo francês em que lauréis e
raízes entretecem suas flagrantes heranças. Sua grandeza era feita
de água e pedra e para ela subiam antigas trepadeiras, portadoras de
flor e fulgor, de ninhos e cantos transparentes.
Transparência – é esta a palavra. Sua
poesia era cristal de pedra, água imobilizada em sua corrente
cantante.
Poeta do amor mais alto, fogueira pura do
meio-dia, nos dias desastrosos da França deu o coração para sua
pátria – e dele saiu o fogo decisivo para as batalhas.
Assim chegou às fileiras do partido
comunista. Para Éluard, ser um comunista era confirmar com sua
poesia e sua vida os valores da humanidade e do humanismo.
Não se pense que Éluard foi menos
político que poeta. Muitas vezes me assombrava sua clara visão e
sua formidável razão dialética. Juntos examinamos muitas coisas,
homens e problemas de nosso tempo, e sua lucidez me foi útil para
sempre.
Não se perdeu no irracionalismo
surrealista porque não foi um imitador mas sim um criador e, como
tal, descarregou sobre o cadáver do surrealismo disparos de
claridade e inteligência.
Foi meu amigo de todo dia e perco sua
ternura que era parte de meu pão. Ninguém me poderá dar agora o
que ele levou consigo porque sua fraternidade ativa era um dos mais
preciosos luxos de minha vida.
Torre da França, irmão! Inclino-me
sobre teus olhos cerrados que continuarão me dando a luz e a
grandeza, a simplicidade e a retidão, a bondade e a simplicidade que
implantaste sobre a terra.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi
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