O que é exatamente uma árvore? Segundo
o dicionário, é um vegetal lenhoso de caule principal ereto e
indiviso (o tronco). Ou seja, o broto principal precisa ser dominante
e crescer continuamente para cima, do contrário a planta é
considerada um arbusto, com diversos troncos curtos ou finos (galhos)
a partir de um talo de raiz. E quanto ao tamanho?
Sempre me incomodo quando leio relatórios
sobre florestas mediterrâneas que parecem descrever uma região
tomada por arbustos. Afinal, as árvores são seres majestosos que
nos fazem parecer formigas. No entanto, em minhas viagens à Lapônia,
encontrei espécimes bem diferentes dessa descrição que me fizeram
parecer um gigante. São árvores-anãs da tundra, que muitos
pisoteiam sem se dar conta. Às vezes, não medem mais de 20
centímetros após 100 anos. A ciência não as considera árvores, e
o mesmo acontece com a Betula humilis, espécie de bétula que
forma troncos de até 3 metros cuja média fica na altura dos olhos.
No entanto, pelo mesmo parâmetro, espécimes pequenos de faias ou
tramazeiras também não poderiam ser considerados árvores. Além
disso, mamíferos grandes, como cervos e corças, as destroem com
tanta frequência que, por décadas, elas crescem como arbustos, com
muitos troncos e, no máximo, 50 centímetros de altura.
E o que acontece quando a árvore é
serrada? Ela morre? Deixa de ser uma árvore? O que acontece com um
toco de centenas de anos mantido vivo por suas camaradas, como o que
encontrei na reserva? Ele é uma árvore? Se não é árvore, o que
é? A situação complica ainda mais quando desse toco surge um novo
tronco. Isso é comum em muitas florestas, pois séculos atrás as
árvores frondosas foram cortadas por carvoeiros. Dos tocos cresceram
novos troncos, que formam a base de muitas das florestas atuais.
É bastante comum que matas de carvalhos
e de carpinos se originem desse tipo de desmatamento. Nesses casos, o
ciclo de corte e regeneração foi repetido várias vezes ao longo de
poucas décadas, de forma que as árvores não puderam crescer e
envelhecer. Antigamente a população fazia isso porque era pobre e
não podia se dar ao luxo de esperar muito por madeira nova. Basta
passear por uma floresta europeia para ver os resquícios dessa
prática: árvores com diversos troncos que mais parecem arbustos ou
calosidades aos pés do tronco, em consequência do corte periódico
da árvore.
Afinal, esses troncos são árvores
jovens ou milenares? Cientistas pesquisaram abetos ancestrais no
condado sueco de Dalarna. O mais velho tinha formado uma espécie de
arbusto plano que cercava um único tronco curto. Toda a estrutura
formava apenas uma árvore, que teve a madeira da raiz estudada com o
método de datação por carbono-14 (C14), um carbono radioativo que
se forma na atmosfera e se decompõe lentamente, mantendo sempre a
mesma proporção para o carbono restante na atmosfera.
Quando o C14 se liga a biomassas inativas
(matéria orgânica sobretudo de origem vegetal usada como
combustível, como é o caso da madeira), a decomposição continua,
mas nenhum novo carbono radioativo é absorvido. Assim, quanto menos
carbono houver no tecido, mais velho ele será. O resultado da
pesquisa dos abetos é simplesmente incrível: 9.550 anos. Os troncos
em si eram mais jovens, mas os galhos novos dos últimos séculos não
foram considerados árvores, mas, sim, parte do todo.24 Na minha
opinião, isso é justo, pois certamente a raiz foi mais decisiva
para esse resultado do que os brotos que crescem acima do solo.
Afinal, ela é responsável pela sobrevivência do organismo,
resistiu a fortes mudanças climáticas e fez brotarem mais e mais
novos troncos. Nela se acumulam milênios de experiência que
possibilitaram sua sobrevivência.
O abeto derrubou muitas teorias
científicas. Primeiro porque ninguém sabia que ele vivia mais de
500 anos; segundo porque se acreditava que ele havia chegado ao norte
da Suécia apenas 2 mil anos após o recuo dos glaciares. Considero
essa árvore discreta um símbolo de como desconhecemos as florestas
e as árvores e de quantas maravilhas elas ainda guardam.
Voltando à questão da raiz, ela é a
parte mais importante da árvore, onde possivelmente se situa algo
como o cérebro. Seria exagero pensar que árvores têm cérebro?
Talvez, mas, sabendo que as árvores são capazes de aprender e,
portanto, armazenar experiências, é preciso haver no organismo um
local para guardar informações. Não se sabe que lugar é esse, mas
as raízes seriam as mais adequadas, pois os antigos abetos na Suécia
mostram que a parte subterrânea da árvore é a mais duradoura.
Assim, onde mais ela poderia armazenar informações importantes a
longo prazo?
Até pouco tempo atrás tínhamos certeza
de que a raiz controlava toda a árvore por meio da atividade
química. Essa informação não está totalmente equivocada, porém
muitos processos também são regulados por substâncias semiquímicas
(que resultam de duas etapas, a primeira com o uso de um agente
químico e a segunda com ação mecânica). As raízes funcionam como
uma via de mão dupla: absorvem substâncias e as enviam para a
árvore, e ao mesmo tempo mandam os produtos da fotossíntese para os
fungos parceiros e até sinais de alerta para as árvores vizinhas.
Para haver algo que reconheçamos como um
cérebro, é necessário haver processos neurológicos, e, para isso,
é preciso haver não só substâncias semiquímicas, mas também
impulsos elétricos. Acontece que desde o século XIX detectamos a
presença deles nas árvores. Em meio a esse cenário, uma briga
ferrenha se arrasta há muitos anos e divide os cientistas. As
plantas pensam?
František Baluška, do Instituto de
Botânica Celular e Molecular da Universidade de Bonn, juntamente com
seus colegas, acredita que as pontas das raízes têm estruturas
semelhantes ao cérebro: além de conduzirem impulsos elétricos,
contêm sistemas e moléculas muito parecidos com os encontrados em
animais. Quando as raízes avançam no solo, podem absorver
estímulos. Os pesquisadores mediram impulsos elétricos que causaram
mudanças comportamentais após serem processados em uma “zona de
transição”. Quando as raízes encontram substâncias tóxicas,
rochas impenetráveis ou áreas úmidas demais, analisam a situação
e repassam as mudanças necessárias à zona de crescimento da raiz,
que muda de direção e se afasta dessas áreas críticas.
Atualmente a maioria dos botânicos se
mostra cética sobre a existência de um local de processamento de
inteligência, memória e emoções, mesmo levando em conta esse
comportamento. Entre outras coisas, irritam-se com a simples
transposição das descobertas de situações semelhantes em
pesquisas com animais e temem que isso ameace os limites entre os
reinos vegetal e animal. Mas o que haveria de tão ruim nisso?
Afinal, a distinção entre planta e animal é arbitrária e se
baseia na forma como o organismo se alimenta: enquanto uma realiza
fotossíntese, o outro come seres vivos. No fim das contas, a única
diferença além dessa diz respeito ao tempo de processamento de
informações e sua conversão em ações. Mas isso basta para
considerarmos os seres lentos menos valiosos do que os rápidos? Às
vezes imagino que teríamos mais consideração pelas árvores e por
outros vegetais se tivéssemos certeza de que em muitos aspectos eles
são semelhantes aos animais.
Peter Wohllenben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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