— Ouvi dizer que vai a Paris.
— Exato.
— A negócio?
— Não.
— Turista?
— Não.
— Missão política reservada?
— Não.
— Tão secreta assim?
— Não.
— Se não sou indiscreto… transa de
amor?
— Não.
— Está muito misterioso.
— Não.
— Como não? Saúde, talvez.
— Não.
— Compreendo que não queira alarmar…
— Não.
— Busca apenas repouso.
— Não.
— Fugir a esse calorão dos infernos.
— Não.
— Fugir do trabalho, então.
— Não.
— Capricho do momento.
— Não.
— Tantos nãos devem significar um sim.
— Não.
— Significam sim. Vou repetir as
hipóteses.
— Não.
— Temos pela frente uma indústria
nova, de vulto.
— Não.
— De qualquer maneira, é financiamento
internacional.
— Não.
— Então a coisa está ficando preta.
— Não.
— Está preta, e há jogadas que só em
Paris.
— Não.
— Percebe-se alguma coisa no ar.
— Não.
— Não dá para perceber, mas há.
— Não.
— Mas pode haver a qualquer momento.
— Não.
— Nem por hipótese?
— Não.
— Nenhuma nuvem distante, muito
distante mesmo?
— Não.
— No ano que vem?
— Não.
— Ouvi mal?
— Não.
— Sendo assim, é segredo pessoal?
— Não.
— O coração é quem dita a viagem…
eu sei.
— Não.
— Sim, sim. Pode confessar.
— Não.
— Hoje em dia essas coisas são
públicas. Dão até cartaz.
— Não.
— Sei que não precisa disso, mas…
— Não.
— Por que não? Está com medo da
imprensa?
— Não.
— Receia perder a situação social?
— Não.
— A situação financeira?
— Não.
— Política?
— Não.
— Pois olhe, melhor é preparar o
ambiente.
— Não.
— Claro que sim. Insinuar mudança em
sua vida.
— Não.
— Discretamente.
— Não.
— De leve, só uma pincelada. Deixe
comigo.
— Não.
— Não abro manchete nem boto aquela
foto em duas colunas, aquela bacana, lembra?
— Não.
— Só cinco linhas.
— Não.
— Duas.
— Não.
— Mas tenho de dizer alguma coisa.
— Não.
— O senhor é notícia.
— Não.
— Pode dizer que não, mas é sim.
— Não.
— Puxa vida, o senhor hoje está
medonho. Resolveu responder não a tudo que é pergunta minha?
— Não.
— Ah, é? Então vamos recomeçar: o
senhor vai a Paris?
— Vou.
— E que é que vai fazer em Paris?
— Ver.
— Ver o quê?
— O último tango em Paris.
— E por que é que não me disse isso
logo, homem de Deus?
— Você não me perguntou, por que eu
havia de responder?
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
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