Começo explicando que era páscoa, época
na qual somos tomados por um espírito fraterno. O fato era que o
marido da prima de um amigo (reparem bem na proximidade) veio de
Viseu a Lisboa para fazer uma entrega que não deu certo. E eu me
solidarizei, dizendo que faria a entrega durante a semana.
Pois bem. Eram fertilizantes de solo para
serem entregues no Instituto Superior de Agronomia, no bairro da
Ajuda. Segunda-feira almocei uma maravilhosa omelete de nada, escolha
favorita de pessoas que precisam entrar num vestido de noiva, e
peguei o carro para fazer a entrega. Coisa simples, dez minutos para
ir, dez para voltar.
Me perdi. Rodei, rodei. Encontrei a
portaria. Era a portaria errada. Fui procurar a outra. Me perdi. Dez
minutos já eram 25. Cheguei. O segurança explicou tranquilamente:
era só ir reto até o edifício amarelo, contorná-lo, entrar na
segunda à direita, subir até encontrar uma rua enviesada, virar,
seguir adiante, passar pelos edifícios brancos, virar à direita nas
vinhas (sim, vinhas, de uva), seguir, encontrar uma rotatória, virar
à esquerda, subir e pronto, era lá. Sorri com cara de imbecil,
segui com o carro e me perdi na terceira coordenada.
Acenei para um carro de uma empresa de
obras e pedi ajuda. O rapaz, muito solícito, disse para segui-lo.
Andamos uns dez minutos, até que chegamos ao laboratório. O rapaz
desceu do carro e me deu um cartão escrito “trabalhos verticais e
impermeabilizações”. Eu agradeci e disse que se precisasse de
algo o procuraria. Ele sorriu e disse “Era mais para tomarmos um
café qualquer dia”, piscando o olho. Voltei para minha cara de
imbecil e respondi: “Ah. Tá. Brigada.”
Estacionei e peguei a caixa, que era bem
mais pesada do que eu imaginava. Deparei com uma escadaria sem fim.
Respirei e subi. Ao chegar lá em cima, quase falecida, li o cartaz
“usar a entrada de baixo”. Coisas de Portugal. Comecei a descer.
Quando estava no meio da escada uma senhora me chamou lá em cima,
dizendo que eu podia entrar por ali. Subi de novo. Agradeci e disse
que tinha uma entrega de fertilizantes. Ela disse “Ah, mas isso é
lá embaixo”. Viu meus olhos tristes e disse “Mas pode vir cá
por dentro”.
Comecei a descer a escada com a caixa nos
braços e percebi que minhas calças estavam caindo. Foi a maior
alegria do dia, sinal de que a omelete de nada tem servido para
alguma coisa além de me entristecer. Na sala, fui recebida por uma
simpática senhora quadrada – mesma medida de altura e largura –
com um avental branco. Ela me perguntou “São substratos
vegetais?”, respondi que não sabia de nada, que nem tinha aberto a
caixa, que fazia um favor para um amigo de Viseu. Ela foi chamar a
responsável. Fiquei ouvindo o rádio velho berrando BUT I SEE YOUR
TRUUUE COOOLORS SHINING THROUGH. A responsável chegou e me perguntou
se os formulários estavam preenchidos. Eu sorri e repeti que não
sabia de nada.
Entrou um homem. Me perguntou – TRUE
COLORS, TRUE COLORS – se também havia amostra de terra na caixa.
Fiquei com vontade de rir. Disse que não sabia. Chegou a quarta
senhora – THAT’S WHY I LOOOVE YOU – me perguntando se era para
análise de metais pesados. Não aguentei. Caí numa crise de riso,
pedi desculpas – TRUE COLORS –, tentei explicar de novo, comecei
a lacrimejar pelo canto do olho, “É só um favor... pra um amigo”
e ria, ria.
Só conseguia pensar no ridículo daquela
odisseia que se instaurou na tentativa de fazer um favorzinho. Era
surreal. Seguiram-se mais 15 minutos de debates. Que raio eu fazia
ali? Tanto trabalho em casa. No fim, me comunicaram que não
analisavam aqueles tipos de substratos. Suspirei. Deixei a caixa, o
telefone do homem e fui embora. Entrei no carro e comecei a rir de
novo. Duas horas para nada. Ou não: às vezes o fracasso vira texto.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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