sábado, 14 de agosto de 2021

União

As árvores são muito sociáveis e ajudam umas às outras, mas isso não basta para sobreviverem bem no ecossistema da floresta. Cada espécie tenta ganhar espaço, melhorar seu desempenho e com isso reprimir outras. Além da luta pela luz, no fim das contas é a luta pela água que decide a vencedora. As raízes das árvores são muito eficazes no aproveitamento do solo úmido. Formam uma penugem fina que aumenta sua superfície de contato e retém o máximo possível de água. Em circunstâncias normais, isso basta, porém quanto mais puderem captar, melhor. Por essa razão, há milhões de anos as árvores fizeram um acordo com os fungos.
Os fungos são seres surpreendentes. Na classificação-padrão dos seres vivos não se encaixam como animais nem como plantas. As plantas, por definição, produzem seus nutrientes a partir de matéria inorgânica, ou seja, sobrevivem de maneira totalmente independente de outras formas de vida. Não surpreende que, em terrenos áridos e desérticos, os animais só apareçam depois de surgir vegetação, já que os animais precisam se alimentar de outros seres vivos para sobreviver. Acontece que a grama e as árvores jovens não gostam nem um pouco de ser comidas por vacas ou cervos. Não importa se um lobo come um javali ou um cervo devora um broto de carvalho: em ambos os casos há dor e morte.
Os fungos se encaixam em algum ponto entre os dois reinos. Suas paredes celulares são formadas de quitina, substância que os aproxima dos insetos e não existe em plantas. Além disso, não realizam fotossíntese e dependem de ligações orgânicas de outros seres vivos dos quais se alimentam.
Ao longo de décadas, o micélio (rede subterrânea da maioria das espécies de fungo, formada por filamentos extremamente finos) tende a se ampliar mais e mais. Na Suíça, um único fungo do gênero Armillaria, comumente chamado de cogumelo-do-mel, alcança quase 500 metros quadrados de extensão e tem cerca de mil anos. No estado norte-americano de Oregon, outro pesa 600 toneladas, tem cerca de 2.400 anos e ocupa mais de 8 quilômetros quadrados de extensão. Dessa forma, os fungos são os maiores seres vivos conhecidos do planeta. No entanto, são inimigos das árvores, pois podem matá-las enquanto buscam tecidos comestíveis. Aqui, porém, vamos nos ater às relações amistosas entre fungos e árvores.
Se uma espécie de árvore encontra um fungo com um micélio adequado às suas raízes (por exemplo, o fungo Lactarius quietus e o carvalho), ela pode multiplicar sua superfície de raiz e captar muito mais água e nutrientes. Quando isso acontece, a planta passa a receber o dobro de nutrientes fundamentais (como o nitrogênio e o fósforo), em comparação com espécimes que captam água e nutrientes do solo sem ajuda, apenas com as próprias raízes.
Para fazer parceria com um dos milhares de espécies de fungo, a árvore precisa ser muito aberta – literalmente, pois os filamentos do fungo penetram as partes finas e macias da árvore. Não existe pesquisa para descobrir se o processo é doloroso, mas, como é do interesse da árvore, imagino que para ela seja agradável. A partir daí eles trabalham em parceria. O fungo penetra e cerca a raiz da árvore e expande sua rede pelo solo do entorno. Com isso aumenta a área de atuação normal da raiz, cresce na direção de outras árvores e se conecta com fungos parceiros e as raízes às quais estão ligados. Dessa forma surge toda uma rede de troca de nutrientes (veja o Capítulo 3) e até de informações (por exemplo, sobre um ataque iminente de insetos).
Portanto, os fungos são como a internet da floresta. E essa ligação também é necessária para eles, pois dependem de nutrientes de outras espécies, característica que os aproxima dos animais. Sem os nutrientes, eles morreriam de fome. Ou seja, demandam da árvore um pagamento em forma de açúcar e outros carboidratos. E não são muito conservadores nesse quesito: para prestarem seus serviços, exigem até um terço de toda a produção.
Como dependem de outras espécies, eles não deixam nada ao acaso e usam suas fibras delicadas para manipular as pontas das raízes. Primeiro ouvem o que a árvore tem a dizer por meio de suas estruturas subterrâneas. Se concluírem que a árvore é útil, começam a produzir hormônios que orientam o crescimento celular do vegetal de maneira favorável a eles.
Para obter açúcar, o fungo ainda oferece alguns serviços adicionais. Um deles é a filtragem de metais pesados, que prejudicam as raízes mas pouco os afetam. Então, na Europa, todo outono essas substâncias vão parar nos belos cogumelos comestíveis colhidos na floresta e levados para casa. Dessa forma, é natural, por exemplo, que o césio radioativo ainda existente no solo de Tchernóbil por causa da explosão nos reatores em 1986 possa ser encontrado em concentrações mais altas nos cogumelos. O pacote dos fungos também oferece serviços de saúde – o micélio combate espécies intrusas, inclusive ataques de bactérias ou outros fungos.
Desde que a relação seja benéfica, fungos e árvores podem viver séculos em parceria. No entanto, mudanças no ambiente (por exemplo, aumento da poluição) podem representar o fim da linha para os fungos. Mas as árvores não guardam muito tempo de luto e logo arranjam outra espécie que se acomode a seus pés. Toda árvore tem várias opções de fungos e só se vê numa situação grave quando fica sem nenhuma.
Os fungos, por sua vez, são mais suscetíveis. Muitas espécies buscam a árvore adequada e, assim que a encontram, se unem a ela para o que der e vier. Algumas têm “preferências” e buscam, por exemplo, apenas bétulas ou lariços. Outras, como o Cantharellus cibarius, se adaptam a muitas espécies de árvore: não importa se vão se ligar a um carvalho, uma faia ou um abeto, o importante é haver espaço livre debaixo da árvore. E a concorrência é grande: nas raízes de um único carvalho de floresta é possível encontrar pelo menos vestígios de mais de 100 espécies de fungos. Para a árvore isso é muito vantajoso, pois quando há mudanças climáticas e um fungo deixa de beneficiá-la o candidato seguinte já está batendo à porta.
No entanto, os pesquisadores também descobriram que os fungos têm lá suas garantias. As tramas formadas pelos micélios se ligam a árvores de diversas espécies. Para chegar a essa conclusão injetaram carbono radioativo em uma bétula e verificaram que a substância passou pelo solo e pelas ligações entre fungos e foi parar em uma douglásia vizinha. Embora muitas espécies de árvores travem lutas mortais e tentem reprimir umas às outras até nas raízes, os fungos parecem mais preocupados com o equilíbrio da floresta. Ainda não se sabe se com isso pretendem dar suporte a árvores hospedeiras de outros fungos ou apenas a fungos que podem estar precisando de ajuda (e que, por sua vez, estendem a parceria à sua árvore).
Suspeito que os fungos “pensem” um pouco mais que suas grandes parceiras. É fato que as diferentes espécies de árvore lutam umas contra as outras. No entanto, supondo que as faias possam alcançar a vitória na maioria das florestas, isso seria mesmo uma vantagem para o fungo? O que aconteceria se, por exemplo, um novo agente patogênico matasse a maioria das faias? Não seria mais vantajoso haver um certo número de outras espécies? Dessa forma carvalhos, bordos, freixos e pinheiros continuariam existindo, crescendo e fornecendo as sombras sob as quais uma nova geração de faias poderia germinar e se desenvolver. Essa diversidade assegura a continuidade das florestas ancestrais. Portanto, como os fungos também dependem de estabilidade, compensam no subsolo quase todas as conquistas de uma espécie de árvore, apoiando as “perdedoras” e evitando seu desaparecimento completo.
Se, mesmo com todo o suporte, a situação se complicar para o fungo e sua árvore hospedeira, o fungo pode tomar uma medida radical, como mostra o pinheiro da espécie Pinus strobus com seu parceiro Laccaria bicolor, cogumelo de duas cores que, em caso de falta de nitrogênio no solo, solta um veneno que mata pequenos animais, como os colêmbolos, insetos que, ao morrer, liberam o nitrogênio de seus corpos e se transformam em adubo involuntário para a árvore e o fungo.
Já apresentei os ajudantes mais importantes das árvores, mas ainda há uma série de outros. Por exemplo, o pica-pau. Esta ave não chega a ser uma colaboradora de fato, mas, ao se aproveitar das árvores, acaba ajudando-as. Por exemplo, sempre que um besouro escotilíneo ataca as faias, elas correm risco, e insetos se multiplicam com tanta rapidez que podem matá-la em pouco tempo, pois se alimentam do câmbio da árvore. Se um pica-pau da espécie Dendrocopos major (pica-pau-malhado-grande) descobre o banquete, voa rapidamente até o lugar, sobe pelo tronco e, assim como um pica-boi nas costas de um ruminante, se alimenta das larvas, arrancando-as com o bico. A árvore quase não sente, mas o golpe arranca pedaços de casca. Isso pode até evitar que a faia sofra mais danos. E, mesmo quando a árvore não sobrevive, outros espécimes da espécie ficam protegidos, pois os besouros serão dizimados.
O pica-pau não está nem um pouco interessado no bem-estar da árvore, o que é nítido pelas cavidades onde fazem seus ninhos. Em geral, o pica-pau os constrói nos espécimes saudáveis, e para isso precisa feri-los bastante. Ou seja, mesmo que o pica-pau evite que muitas espécies de árvores sofram com infestações (por exemplo, impede que o carvalho seja infestado pelas larvas de besouro da família Buprestidae), para a ave isso é secundário.
Os besouros podem representar um perigo em anos secos, pois sem água a árvore perde a capacidade de se defender de agressores. Quem pode salvá-la é o Pyrochroa coccinea, percevejo vermelho que, quando adulto, se alimenta das secreções do pulgão e da seiva das plantas sem causar danos. No entanto, sua prole precisa de carne, e a consegue das larvas de besouro que vivem sob a casca das árvores frondosas. Muitos carvalhos sobrevivem graças a essa interação. No entanto, a situação do percevejo pode se complicar: se todas as espécies de besouros forem comidas, as larvas do Pyrochroa coccinea começarão a atacar outros percevejos da mesma espécie.

Peter Wohllben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

Nenhum comentário:

Postar um comentário