Não entendo de sonhos, mas uma vez
anotei um que me parecia, mesmo sem eu o entender, querer me dizer
alguma coisa.
Como eu fechara a porta ao sair, ao
voltar esta se tinha emendado nas paredes e já estava até com os
contornos apagados. Entre procurá-la tateando pelas paredes sem
marcas, ou cavar outra entrada, pareceu-me menos trabalhoso cavar.
Foi o que fiz, procurando abrir uma passagem. Mal porém foi rachada
a primeira abertura, percebi que por ali nunca ninguém tinha
entrado. Era a primeira porta de alguém. E, embora essa estreita
entrada fosse na mesma casa, vi a casa como não a conhecia antes. E
meu quarto era como o interior de um cubo. Só agora eu percebia que
antes vivera dentro de um cubo.
Acordei, então, toda banhada de suor
pois fora um pesadelo, apesar da aparente tranquilidade dos
acontecimentos no sonho. Não sei o que este simbolizava. Mas “uma
primeira porta de alguém” é alguma coisa que me atemoriza e me
fascina a ponto de por si só constituir um pesadelo.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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