Para as árvores, é mais difícil
suportar a sede do que a fome, pois alimento elas obtêm a qualquer
momento realizando a fotossíntese. No entanto, as árvores não
produzem nutrientes sem umidade. Por dia, uma faia adulta consegue
captar mais de 500 litros de água nos galhos e nas folhas, desde que
consiga extraí-la do subsolo.
No entanto, a umidade do solo se
esgotaria rapidamente caso a árvore fizesse isso em todos os dias do
verão europeu. Nessa época, não chove o bastante para encharcar o
solo ressecado. Por isso, a árvore armazena água durante o inverno,
estação em que chove mais do que o suficiente na Europa Central e a
árvore praticamente não consome água, pois quase todas as plantas
param de crescer nessa época.
Junto com as precipitações da
primavera, que ficam armazenadas no subterrâneo, a umidade captada é
suficiente até o início do verão. Mas em muitos anos há estiagem.
Com duas semanas de calor intenso e tempo seco, a maioria das
florestas começa a passar dificuldade, o que afeta sobretudo árvores
adaptadas a solos especialmente úmidos. Elas esbanjam água, e em
geral são os espécimes maiores e mais robustos que pagam por esse
comportamento.
Na nossa reserva, os abetos são os que
mais sofrem – não em toda a sua estrutura, mas sobretudo no
tronco. Quando o solo está seco e as agulhas da copa exigem mais
água, a tensão na madeira ressecada fica alta demais. Ela estala e
crepita até surgir uma fissura de quase 1 metro de comprimento que
vai da casca até os tecidos mais profundos e fere a árvore
gravemente. Em pouco tempo esporos de fungos penetram a ferida,
alcançam a parte mais interna da árvore e começam a causar
destruição. O abeto tenta reparar o ferimento ao longo dos anos
seguintes, mas ele se abre outra vez. Mesmo de longe é possível ver
os sulcos pretos de resina endurecida, que marcam o doloroso
processo.
Com isso, chegamos ao centro da escola
das árvores, lugar em que impera a violência, pois a natureza é
uma professora rígida. Quem não for atento e não se adaptar vai
sofrer as consequências. Fissuras na madeira, na casca, no câmbio
(camada cilíndrica de células extremamente sensível encoberta pela
casca e que se estende em volta do alburno, a parte do tronco que
conduz a água): a situação da árvore é grave. Ela precisa
reagir, e não só tentando fechar os ferimentos. Depois que passa
por isso, a árvore para de desperdiçar água e a distribui com mais
eficiência. Ela de fato aprende esse comportamento e, por precaução,
o exibe mesmo quando o solo está bem úmido.
Na nossa reserva esse comportamento é
comum entre os abetos que crescem num solo bastante úmido: são
mimados com tamanha facilidade. Mas um quilômetro adiante, numa
encosta seca e pedregosa, a situação é bem diferente. Quando
cheguei ali pela primeira vez, esperava encontrar árvores afetadas
pela forte seca do verão. No entanto, o que vi foi o contrário: ali
as árvores eram disciplinadas e suportavam condições muito piores
que suas colegas acostumadas à maior oferta de água. Mesmo com
pouca água à disposição durante o ano (o solo armazena menos água
e o sol queima muito mais, causando a evaporação), os abetos
estavam saudáveis. Cresciam nitidamente mais devagar do que as de
solo úmido, mas usavam melhor a pouca água a que tinham acesso e
sobreviviam bem até em anos mais extremos.
É muito mais fácil ver como as árvores
aprendem a lição da estabilidade. Basicamente elas evitam tudo o
que é desnecessário. Para que formar um tronco robusto se ela pode
se apoiar nas árvores vizinhas? Desde que se mantenham de pé, nada
de muito ruim pode acontecer. No entanto, na Europa Central, a cada
dois anos, um grupo de operários florestais ou uma máquina de
colheita entra na floresta e derruba 10% da madeira. Nas florestas
naturais, é quando uma poderosa árvore-mãe morre de velhice que as
outras em seu entorno perdem seu suporte. Isso porque, como
resultado, surgem lacunas no dossel de folhas, e as faias e os abetos
que antes estavam numa posição confortável de repente perdem o
equilíbrio. E, como são lentas, essas árvores levam de três a 10
anos para voltar a se equilibrar.
O processo de aprendizagem é acionado
por microfissuras dolorosas que nascem quando o tronco balança com
força pela ação do vento. A árvore precisa fortalecer a estrutura
nos pontos onde isso acontece, e para tanto gasta uma energia que lhe
faltará para crescer em altura. Por outro lado, com a queda da
vizinha há um pequeno consolo: a sobrevivente passa a receber mais
luz na copa. No entanto são necessários alguns anos até que ela
possa se valer dessa vantagem.
Até então, suas folhas estavam
adaptadas à penumbra, portanto eram muito frágeis e sensíveis à
luz. Com o sol forte, são parcialmente queimadas. Como os botões
para o ano seguinte já foram criados na primavera e no verão
anteriores, as árvores frondosas só conseguem se adaptar após dois
anos. As coníferas precisam de mais tempo, pois suas agulhas
permanecem no galho até sete anos. A situação só se normaliza
quando todas as folhas ou agulhas se renovam.
Dessa forma, a grossura e a estabilidade
de um tronco são determinadas pelos contratempos que sofre. Esse
jogo pode se repetir várias vezes na vida de uma árvore de uma
floresta natural. Quando a lacuna criada por uma árvore caída se
fecha por causa do crescimento das copas das árvores que se
encontram ao redor, elas voltam a se apoiar umas nas outras. Com
isso, podem outra vez empregar mais energia para crescer em altura do
que em diâmetro de tronco.
Voltando à ideia de escola, se as
árvores são capazes de aprender (e basta observá-las para saber
que são), surge a seguinte questão: onde e como armazenam o
conhecimento adquirido? Afinal, elas não têm cérebro para guardar
informações e gerenciar seus processos. A pergunta vale para todas
as plantas, por isso vários pesquisadores são céticos e muitos
especialistas acreditam que a capacidade de aprendizado da flora não
passa de fantasia.
É nesse momento que mais uma vez surge a
cientista australiana Dra. Monica Gagliano. Ela pesquisa as mimosas
(também conhecidas como dormideiras), um subarbusto tropical que
funciona especialmente bem como objeto de investigação porque é
possível estimulá-las. Além disso, como são pequenas, é mais
fácil pesquisá-las em laboratório do que as árvores. Quando
tocadas, elas fecham suas folhinhas penadas. Em um experimento, gotas
d’água caíam a intervalos regulares sobre a planta. No início,
as folhas se fechavam imediatamente, mas depois de um tempo a planta
aprendeu que a água não lhe oferecia nenhum risco. A partir de
então, passaram a permanecer abertas enquanto as gotas caíam.
Para Gagliano o mais surpreendente foi
descobrir que as mimosas retiveram a informação e aplicaram a lição
aprendida mesmo depois de semanas após o experimento. Infelizmente,
não é possível deslocar faias ou carvalhos inteiros para um
laboratório e realizar pesquisas sobre aprendizagem.
Existe outra pesquisa com água que
investiga mudanças de comportamento mas traz uma nova informação:
quando as árvores sentem muita sede, começam a gritar. Não podemos
ouvir os gritos, pois eles se dão em uma frequência ultrassônica.
Cientistas do Instituto Federal de Pesquisa sobre Floresta, Neve e
Paisagem, na Suíça, gravaram os sons e nos explicaram da seguinte
forma: quando o fluxo de água enviado das raízes até as folhas é
interrompido no tronco, ocorrem vibrações. É um processo
totalmente mecânico e não tem nenhum significado. Ou será que
tem? Sabemos apenas como esses sons são produzidos, e, comparando
com a forma como o homem produz som, concluímos que os processos não
são tão diferentes. No nosso caso, o ar passa pela traqueia e faz
as cordas vocais vibrarem. Quando penso nos resultados da pesquisa
sobre as raízes que estalam, seria totalmente cabível concluir que
essas vibrações eram algo mais – gritos de sede, talvez até um
alerta às colegas de que a água está acabando.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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