Há quem diga que é a mesma língua. Há
quem chegue a Portugal esperando “Ora pois” e um pouquinho
daquele sotaque fofo. Pobrezinhos. Mal sabem o que os espera. Depois
de um ano e meio “a viver cá”, sinto-me orgulhosamente bilíngue.
Na semana em que cheguei, ouvi que a
minha mala encarnada era muito “gira”. Não sabia se era para
agradecer, para me ofender ou para xingar de volta. Depois, fui
descobrir que a mala era a bolsa, encarnada era vermelha e “gira”
era bonita. Já não dava tempo de agradecer à moça.
Pouco tempo depois, procurava um
supermercado e pedi ajuda a uma senhora que me mandou ir para os
“curraios”. Não entendi, mas achei que mandar alguém para os
“curraios” não era algo admissível, por uma simples razão de
divisão de sílabas. Saí chocada, segui andando e encontrei o
mercado, ao lado dos correios. Correios. “Curraios”. Saquei.
Depois, foi a vez de um professor narrar
um caso de um país que proibiu a venda de “maltadagas”. Eu,
quieta, pensei “Maltadaga. Deve ser uma adaga, arma branca, da ilha
de Malta”. Ele falou outra vez e eu entendi “Maltad’água”.
Pensei “Água da ilha de Malta?”. Na terceira ouvi “Mota
d’água”. Ok. “Mota deve ser moto. Moto de água. Jet ski!! É
jet ski!!” E pronto, o professor já tinha mudado de assunto e eu
até hoje não sei nem onde nem por que o jet ski foi proibido.
Fui achando que já entendia melhor.
Tinha aprendido a não pedir sorvete de creme, mas gelado de nata. E
pedi, no restaurante, torta com uma bola de gelado de nata. O garçom
disse “Bolinha?”. Eu sorri e respondi “Sim, uma bola de gelado
de nata”. Ele disse “Uma bola de bolinha?”, e eu já pensei
“Ai, Deus, começou”. Ele insistiu “Não temos gelado d’nata.
Temos chuculát, murang e bónilha. Pod’ser uma bola de bónilha?”.
Enfim. Bola de bolinha, bola de “bónilha”, vamos levando.
Descobri que jogar na privada é deitar
na sanita. Que pisar no freio é carregar nos travões. Que banheiro
é casa de banho e salva-vidas é banheiro. Que dar a descarga é
puxar o autoclismo. Que eu uso cuecas, por mais que eu use calcinhas.
E que os homens também usam cuecas, por mais que eles não usem
calcinhas.
Não satisfeita, inventei de namorar um
lisboeta. Fomos dormir outro dia e ele disse “Q’rida, podes
colocar o despertador para o Tim Maia?”. Pausa. “Oi?” “O
despertador. Colocas para Oi Tim Maia?” “Tim Maia?” “Sim,
para Oi Tim Maia.” E, então, eu percebi que já era bilíngue.
Coloquei o despertador para 8h30 e apaguei a luz.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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