segunda-feira, 30 de agosto de 2021

As fadigas do vizinho

O vizinho Lourenço
se conhecia por suas preguiças.

Nenhuma ocupação,
alguma vez, o ocupou.

Em moço,
ensonava os olhos,
negando a visão das belezas.

Ora, o amor, resmungava,
o que mais dá são cansaços.

E quando amou,
amou leve
para poupança de baba e suspiro.

No altar,
a noiva, em vão, esperou.

Subir a escadaria da igreja
era trabalho para muito joelho.

A si mesmo, Lourenço se explicou:
ora, o amor é o que, na gaiola, nos dá asas.

Noites e noites,
perante insistência dos parentes,
olhando o fogo, respondia:
não posso, estou contando labaredas.

E de tanto
dos afazeres se desfazer,
certa vez anunciou:
viver,
não sei se gosto de viver.
A vida tira-me o sono.

Nessa noite,
se dispensou de si mesmo.

No final,
porém, não chegou a finar.

Morrer custava fadigas.

Mia Couto

Nenhum comentário:

Postar um comentário