Tizuca parado em frente à loja de roupas
masculinas. Ou unissex. Quem sabe lá o que hoje é ou não é roupa
do ou roupa da.
Indecisão. Dúvida. Perplexidade.
Escolher o quê?
Colarinho italiano arredondado ou
colarinho com pontas abotoadas. Os dois?
Colarinho com pespontos, colarinho
chemisier? Tudo que há de opção na forma e cara de um colarinho!
Se Tizuca pende para a camisa esporte
xadrez, vem o problema: o xadrez do bolso tanto pode ser na direção
das linhas como enviesado. Enviesado é melhor, claro. Mas o outro,
mesmo de xadrez, tem um toque de social, entende?
Tizuca não é lá muito social, mas a
fórmula esporte-social o atrai. Em geral e sempre, ele é mais
esporte. Acontece que amanhã pode querer dar uma de social, e então
esta camisa aqui vira clássica, pelo artifício de um botão
abotoado no colarinho. Versátil.
Vitrine é isso: mostra demais. Devia
mostrar só uma camisa de cada vez, a gente conferia, tá bem, não
tá: outra. Depois outra. Cinco camisas diferentes, dando tapa no
olhar, como é que pode?
Tizuca ainda não chegou ao capítulo
calça. Está assuntando a subseção lapela do bolso. Ah, e os
botões de quatro furos? Sem quatro furos, infeliz é o botão, e
logo esta camisa de palas inclinadas na frente e horizontais atrás,
tão bac (Tizuca não fala bacana), perde noventa por cento de carga
charmosa, com seus míseros botões de dois furos.
O botão também, na estética do minuto,
precisa ter cores contrastantes com a cor ou cores da camisa. E
mesmo, por que não? contrastantes entre si. Comprada a camisa,
Tizuca vai dar à mãe o trabalho de arrancar três dos botões e
substituí-los por outros bem diferentes uns dos outros. A velha
trate de arranjá-los, botão é negócio de mãe.
Às calças. Tu não me procurarias tanto
se já não me tivesses encontrado. Pascal, vestibular de francês.
Por que fui escolher francês? Mas esta calça é aquela que eu
sonhei na semana passada, a mesma, a própria. A cor, a linha, o
tique-taque. Ninguém é capaz de saber o que seja o tique-taque de
uma calça, mas Tizuca sabe, ele que descobriu o fenômeno: há
calças com tique-taque, outras sem. A maioria, sem. Certo ruído
leve que ela faz quando a gente anda? Não. Certo ritmo, certas
dobras harmoniosas? Também não. Tizuca não explica a ninguém, nem
a si mesmo. Só ele sabe, e esconde de todos.
A questão é que, sendo a calça
sonhada, não é rigorosamente a calça sonhada. Entenda quem quiser
ou puder. Verdade, verdade, as calças que sonhamos nunca se realizam
em vitrine alguma do mundo, elas foram feitas e desfeitas no momento
ideal, que os figurinistas seriam incapazes de assimilar. Bolso
embutido na cintura não é o mesmo que bolso inclinado. Tem mais: a
barra virada. Esqueceram-se de botar no real a barra virada do meu
sonho.
Tizuca, não te resolves? Vais ficar
parado a eternidade diante da loja, vestindo com os olhos? Se não és
capaz de escolher entre uma calça pied-de-poule e outra pied-de-coq,
como escolherás entre duas garotas? Ou duas profissões? Ou…?
Chega de perguntar, tu me engrilas.
Tizuca desdobra-se em consciência e alienação. Pergunta-se e
recusa-se a responder. Se houvesse nas coisas uma resposta, o rótulo
esclarecedor: Sou o que queres. Não sou o que queres. Todas parecem
dizer: Afinal, que queres?
A moda. O medo. Medo de não estar na
moda. O descompasso. O desequilíbrio íntimo, independente do efeito
que possa produzir nos outros o fato de não usarmos aquela camisa
que é a absoluta nesta primavera. Por que me visto? Para vocês, mas
principalmente para minha imagem no espelho. Nos dois espelhos: o do
armário, o de dentro de mim mesmo, Tizuca, dezoito anos, indecisão.
E depois…
Depois, Tizuca tem no bolso apenas
duzentos cruzeiros, que não dão para comprar a vitrine, e levar
para casa e experimentar todas as soluções vestiais e escolher
aquela solução, aquele colarinho, aquele bolso, aquela prega. A
vida é ondulada, interrogativa, como a minhoca. E muda, feito a
moda.
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
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