Como minha irmã, naquele breve período
de quase dois anos em minhas contas, havia envelhecido! Estava com os
quadris largos, não tinha mais o viço da mocidade. A única coisa
que ainda a fazia parecer jovem eram as espinhas brilhantes que
despontavam como pontos amarelos em seu rosto. Por todo o resto,
parecia ter mais dez anos. Aquele tempo parecia ter passado com
violência para ela, agora mãe de um menino. Pude ver seus seios
despontarem da roupa que vestia, cheios, caídos de amamentar Inácio.
Mas isso nada significava para nós mulheres da roça. Éramos
preparadas desde cedo para gerar novos trabalhadores para os
senhores, fosse para as nossas terras de morada ou qualquer outro
lugar onde precisassem. A constatação que fazia era apenas em
respeito à passagem de minha irmã da infância para a maturidade.
Seu rosto guardava uma delicada apreensão
entre o contentamento de me encontrar, saber que estava bem, e o
abandono a que sujeitou sua família para viver com o primo, uma
aventura de criança como as de outras moças que haviam feito o
mesmo. Histórias relatando casos como este era o que não faltava
entre nós. Seus movimentos revelavam os instintos maternos, os que
observamos com muita familiaridade nos animais que nos cercam. Pude
perceber isso ao ver se levantar, pesada, ao passar a criança para o
colo de Salu para me abraçar. Como quis abraçar com força e
verdade, porque eu estava surpresa com a bênção que era poder
olhar de novo seu rosto e ver minha irmã com seu filho. Como a mágoa
que sentia aflorava com uma intensidade embotada, misturada a tudo o
mais que sentia, e por mais que quisesse sufocar, ainda persistia.
Por isso, nossos cumprimentos foram desanimados, sem o viço que
permeava nossa relação de irmãs antes de sua partida.
O motivo de minha saída de casa naquela
manhã ficou em segundo plano. Não esperava, depois de tanto tempo,
de repente, encontrar Bibiana. Me sentei ao seu lado para escutar sua
conversa com Domingas e minha mãe, contando sobre sua vida fora da
fazenda. Tentei romper o meu espanto e articular algumas intervenções
com os mesmos gestos que durante muito tempo foram compreendidos e
transmitidos por Bibiana aos demais. Como tentei, naquele instante,
recuperar o elo que nos fazia quase uma! Mas os gestos não eram
entendidos de pronto, minha irmã precisava tentar uma, duas ou muito
mais vezes, até que cansássemos. Domingas parecia me compreender
muito mais. Já havia perdido, em parte, a habilidade de transmitir
meus sentimentos, minha incessante capacidade de me comunicar que
dormia por longo tempo, desde a sua partida.
Bibiana contou que ela tinha feito um
supletivo e no próximo ano ingressaria numa escola pública de
magistério. Que trabalhava cuidando das crianças filhas de vizinhas
para que pudessem trabalhar. Ganhava muito pouco com isso, mas era o
que podia fazer com um filho de colo. Contou também que Severo
trabalha na roça e frequentava atividades no sindicato dos
trabalhadores rurais. Estava aprendendo muitas coisas. Batalhava,
apesar do medo e das adversidades, para melhorar a vida dos
trabalhadores com quem compartilhava o fardo. Era admirado e
respeitado até pelos mais velhos.
Severo entrou pela porta do fundo
acompanhado de meu pai e Zezé. Me cumprimentou tirando o chapéu. Me
chamou por prima Belonísia. Me senti feliz de vê-lo. Ele também
havia mudado, parecia mais homem, adulto, havia deixado para trás a
adolescência. Parecia preservar apenas a inquietude de sempre. Ao
vê-lo, percebi que as mágoas pela partida infantil dos dois,
superficialmente, haviam ficado no passado. Durante algum tempo,
pensei que pudesse haver uma ruptura entre nossas famílias, mas o
perdão aflorava da bênção que poderia ser o retorno de alguém de
qual somos parte. Não foi possível evitar, da mesma forma, recordar
as bobagens que Bibiana pensou a respeito de nós dois alguns anos
antes. A figura de meu primo exercia de fato um encanto sobre mim.
Mas nada que pudesse ser chamado de paixão. Havia uma admiração
por ser mais velho, pela energia e frescor que emanava de seus
gestos, de suas histórias e principalmente de seus atos. Severo
tinha uma sedução natural, como os animais da mata que não nos
cansavam de surpreender com sua astúcia. Nem sempre era o conjunto
de atributos que o corpo mostrava, mas estava entranhado no seu
movimento pelo mundo. A minha admiração nascia da vontade de ter a
mesma força, liderança e sabedoria, como se fosse o filho mais
velho de Zeca Chapéu Grande, porque tudo o que admirava em Severo
era a mesma capacidade que meu pai tinha de conduzir pessoas por
caminhos tortuosos.
Com sua presença via reforçadas as
impressões que havia me deixado desde sempre. Falava com dureza
sobre nossas condições de vida na fazenda, a ponto de deixar meu
pai embaraçado. Zeca nos fez saber, em muitas oportunidades, que
falar mal de quem havia nos acolhido e permitido que morássemos e
dali vivêssemos era ingratidão. Mas se poupou em não rebater os
argumentos de Severo, talvez pela ocasião, pelo ressentimento a
caminho de ser superado. Aquele foi um sinal dos tempos que
viveríamos se algum dia eles retornassem à fazenda. Percebi que
havia algo vigoroso e decisivo nas suas enunciações sobre o
trabalho, sobre a relação de servidão em que nos encontrávamos.
Guardei o que pude de suas palavras para tentar decifrar as mensagens
novas que trazia, transferindo sua vivência em outras terras para a
nossa própria história, para que algo passasse a fazer sentido para
nós.
Olhei a criança de volta aos braços de
Bibiana, com profundidade. Ela percebeu e se dirigiu a mim para dizer
como se chamava. Achei bonito o nome e, para mostrar que tinha
gostado, sorri. Tentei tomá-lo em meus braços, mas ele se esquivou,
deitando a cabeça no ombro da mãe. Era meu sobrinho, meu sangue,
que continuaria a semear a terra, mesmo se não vivesse em Água
Negra, se não fosse abatido pelas doenças que às vezes levavam
nossas crianças muito cedo. Ele tinha olhos que não era possível
definir, se pareciam com os do pai ou os da mãe. Estendi minha mão
para acariciá-lo. Minha mãe repetia, incontrolável em seu
contentamento, que era a vovó. O calor de Inácio encontrou minha
mão que o reconhecia, sua pele viva e morna, cor de mel das flores,
me preencheu de força e me fez bem-querer.
Bibiana disse que traria o menino em
breve para batizar na Igreja de Senhor dos Passos. Você será a
madrinha, escutei. Seu arranjo indicava a importância que eu tinha
para sua vida, mesmo estando distante, mesmo percebendo que havia
diferenças e estranhamentos entre nós. E dessa forma poderíamos
reforçar nossos laços.
Durante aqueles dias, voltei quase que
diariamente para a casa de meus pais ou de tio Servó e tia
Hermelina, onde Bibiana e Severo se revezaram em atenção. Queria
escutar cada vez mais as histórias que traziam de suas passagens por
outros lugares. Queria ouvir de Severo as explicações para o que
vivíamos em Água Negra. Eram histórias que se comunicavam com meus
rancores, com a voz deformada que me afligia e por vezes me
despedaçava, com todo o sofrimento que nos unia nos lugares mais
distantes. Que juntos, talvez, pudéssemos romper com o destino que
nos haviam designado. Nem o mau humor e destemperos de Tobias me
desanimaram a sair, até que partissem de novo, com a promessa de que
logo voltariam.
Quando se foram, pressenti que iriam
regressar. Que os bons ventos os trariam com chuva e com mudanças. E
só por isso fiz uma prece para que fosse muito em breve.
Itamar Vieira Junior, in Torto Arado
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