segunda-feira, 26 de julho de 2021

Torto Arado / 9

Como minha irmã, naquele breve período de quase dois anos em minhas contas, havia envelhecido! Estava com os quadris largos, não tinha mais o viço da mocidade. A única coisa que ainda a fazia parecer jovem eram as espinhas brilhantes que despontavam como pontos amarelos em seu rosto. Por todo o resto, parecia ter mais dez anos. Aquele tempo parecia ter passado com violência para ela, agora mãe de um menino. Pude ver seus seios despontarem da roupa que vestia, cheios, caídos de amamentar Inácio. Mas isso nada significava para nós mulheres da roça. Éramos preparadas desde cedo para gerar novos trabalhadores para os senhores, fosse para as nossas terras de morada ou qualquer outro lugar onde precisassem. A constatação que fazia era apenas em respeito à passagem de minha irmã da infância para a maturidade.
Seu rosto guardava uma delicada apreensão entre o contentamento de me encontrar, saber que estava bem, e o abandono a que sujeitou sua família para viver com o primo, uma aventura de criança como as de outras moças que haviam feito o mesmo. Histórias relatando casos como este era o que não faltava entre nós. Seus movimentos revelavam os instintos maternos, os que observamos com muita familiaridade nos animais que nos cercam. Pude perceber isso ao ver se levantar, pesada, ao passar a criança para o colo de Salu para me abraçar. Como quis abraçar com força e verdade, porque eu estava surpresa com a bênção que era poder olhar de novo seu rosto e ver minha irmã com seu filho. Como a mágoa que sentia aflorava com uma intensidade embotada, misturada a tudo o mais que sentia, e por mais que quisesse sufocar, ainda persistia. Por isso, nossos cumprimentos foram desanimados, sem o viço que permeava nossa relação de irmãs antes de sua partida.
O motivo de minha saída de casa naquela manhã ficou em segundo plano. Não esperava, depois de tanto tempo, de repente, encontrar Bibiana. Me sentei ao seu lado para escutar sua conversa com Domingas e minha mãe, contando sobre sua vida fora da fazenda. Tentei romper o meu espanto e articular algumas intervenções com os mesmos gestos que durante muito tempo foram compreendidos e transmitidos por Bibiana aos demais. Como tentei, naquele instante, recuperar o elo que nos fazia quase uma! Mas os gestos não eram entendidos de pronto, minha irmã precisava tentar uma, duas ou muito mais vezes, até que cansássemos. Domingas parecia me compreender muito mais. Já havia perdido, em parte, a habilidade de transmitir meus sentimentos, minha incessante capacidade de me comunicar que dormia por longo tempo, desde a sua partida.
Bibiana contou que ela tinha feito um supletivo e no próximo ano ingressaria numa escola pública de magistério. Que trabalhava cuidando das crianças filhas de vizinhas para que pudessem trabalhar. Ganhava muito pouco com isso, mas era o que podia fazer com um filho de colo. Contou também que Severo trabalha na roça e frequentava atividades no sindicato dos trabalhadores rurais. Estava aprendendo muitas coisas. Batalhava, apesar do medo e das adversidades, para melhorar a vida dos trabalhadores com quem compartilhava o fardo. Era admirado e respeitado até pelos mais velhos.
Severo entrou pela porta do fundo acompanhado de meu pai e Zezé. Me cumprimentou tirando o chapéu. Me chamou por prima Belonísia. Me senti feliz de vê-lo. Ele também havia mudado, parecia mais homem, adulto, havia deixado para trás a adolescência. Parecia preservar apenas a inquietude de sempre. Ao vê-lo, percebi que as mágoas pela partida infantil dos dois, superficialmente, haviam ficado no passado. Durante algum tempo, pensei que pudesse haver uma ruptura entre nossas famílias, mas o perdão aflorava da bênção que poderia ser o retorno de alguém de qual somos parte. Não foi possível evitar, da mesma forma, recordar as bobagens que Bibiana pensou a respeito de nós dois alguns anos antes. A figura de meu primo exercia de fato um encanto sobre mim. Mas nada que pudesse ser chamado de paixão. Havia uma admiração por ser mais velho, pela energia e frescor que emanava de seus gestos, de suas histórias e principalmente de seus atos. Severo tinha uma sedução natural, como os animais da mata que não nos cansavam de surpreender com sua astúcia. Nem sempre era o conjunto de atributos que o corpo mostrava, mas estava entranhado no seu movimento pelo mundo. A minha admiração nascia da vontade de ter a mesma força, liderança e sabedoria, como se fosse o filho mais velho de Zeca Chapéu Grande, porque tudo o que admirava em Severo era a mesma capacidade que meu pai tinha de conduzir pessoas por caminhos tortuosos.
Com sua presença via reforçadas as impressões que havia me deixado desde sempre. Falava com dureza sobre nossas condições de vida na fazenda, a ponto de deixar meu pai embaraçado. Zeca nos fez saber, em muitas oportunidades, que falar mal de quem havia nos acolhido e permitido que morássemos e dali vivêssemos era ingratidão. Mas se poupou em não rebater os argumentos de Severo, talvez pela ocasião, pelo ressentimento a caminho de ser superado. Aquele foi um sinal dos tempos que viveríamos se algum dia eles retornassem à fazenda. Percebi que havia algo vigoroso e decisivo nas suas enunciações sobre o trabalho, sobre a relação de servidão em que nos encontrávamos. Guardei o que pude de suas palavras para tentar decifrar as mensagens novas que trazia, transferindo sua vivência em outras terras para a nossa própria história, para que algo passasse a fazer sentido para nós.
Olhei a criança de volta aos braços de Bibiana, com profundidade. Ela percebeu e se dirigiu a mim para dizer como se chamava. Achei bonito o nome e, para mostrar que tinha gostado, sorri. Tentei tomá-lo em meus braços, mas ele se esquivou, deitando a cabeça no ombro da mãe. Era meu sobrinho, meu sangue, que continuaria a semear a terra, mesmo se não vivesse em Água Negra, se não fosse abatido pelas doenças que às vezes levavam nossas crianças muito cedo. Ele tinha olhos que não era possível definir, se pareciam com os do pai ou os da mãe. Estendi minha mão para acariciá-lo. Minha mãe repetia, incontrolável em seu contentamento, que era a vovó. O calor de Inácio encontrou minha mão que o reconhecia, sua pele viva e morna, cor de mel das flores, me preencheu de força e me fez bem-querer.
Bibiana disse que traria o menino em breve para batizar na Igreja de Senhor dos Passos. Você será a madrinha, escutei. Seu arranjo indicava a importância que eu tinha para sua vida, mesmo estando distante, mesmo percebendo que havia diferenças e estranhamentos entre nós. E dessa forma poderíamos reforçar nossos laços.
Durante aqueles dias, voltei quase que diariamente para a casa de meus pais ou de tio Servó e tia Hermelina, onde Bibiana e Severo se revezaram em atenção. Queria escutar cada vez mais as histórias que traziam de suas passagens por outros lugares. Queria ouvir de Severo as explicações para o que vivíamos em Água Negra. Eram histórias que se comunicavam com meus rancores, com a voz deformada que me afligia e por vezes me despedaçava, com todo o sofrimento que nos unia nos lugares mais distantes. Que juntos, talvez, pudéssemos romper com o destino que nos haviam designado. Nem o mau humor e destemperos de Tobias me desanimaram a sair, até que partissem de novo, com a promessa de que logo voltariam.
Quando se foram, pressenti que iriam regressar. Que os bons ventos os trariam com chuva e com mudanças. E só por isso fiz uma prece para que fosse muito em breve.

Itamar Vieira Junior, in Torto Arado

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