Segunda-feira, dia em que mesmo quando a
gente acorda na hora, sabe que já está atrasado. E foi numa dessas
que coloquei meu tênis, peguei minha mochila e saí para a academia.
Quando entrei no elevador – Jesus, que
susto! –, quem é aquela mulher, de cara lavada e olheiras
profundas? Quem? Eu? Como assim, eu? Sim. A verdadeira “eu”, que
está sempre oculta embaixo de uma bela camada de maquiagem. Na
pressa, não me lembrei de nada e saí com a minha própria cara. Que
choque. Estava pronta para mandar o elevador de volta para o meu
andar e para fazer, com corretivo e blush, minha cara voltar a ser o
que não sou, mas que acho que devo ser. Foi quando pensei: “Pera
lá, Ruth. Academia. Dá pra ir sem corretivo nas olheiras, vai?
Ninguém vai enfartar de medo da sua cara.”
E fui. E ninguém desmaiou. Nem riu. Nem
me perguntou de que caverna eu saí. Podem ter pensado, isso podem.
Mas também podem ter pensado “Olha, aquela moça tem olheiras que
nem eu. Não estou sozinho”.
Voltei para casa, tomei meu banho e
comecei a trabalhar. Decidi gravar um vídeo no Snapchat. Quando abri
a câmera pensei “Opa! De novo! Essa Ruth desmaquiada. Não posso
gravar assim”. Parei. Pensei de novo. O que será que é mais
bacana para meus seguidores (sobretudo os do Snap, tão novos)? Eu
aparecer sempre ajeitada e produzida, fazendo-os se perguntar se só
eles são mortais, normais, descabelados, com espinhas no queixo,
enquanto a blogueira aqui está sempre arrumada? Melhor isso ou ser
de verdade?
Coincidência ou destino, recebi minutos
depois uma mensagem de uma amiga que é professora de ensino médio.
Ela ficou me contando que passou um texto meu para seus alunos. Era
um texto sobre ser nariguda, no qual eu brincava com isso e falava da
minha aceitação – e até carinho – pelo meu narigão. Ela pediu
para os alunos escreverem sobre suas características incômodas e
como lidavam com elas. Fiquei com os olhos cheios de lágrimas.
Seguem alguns trechos:
“As crianças que falavam comigo me
faziam ficar inferior a elas, pela minha estatura fora do normal.
Ficavam me xingando ou me chamando de ‘poste de luz’, ‘girafa’,
entre outras coisas. Queria bater neles, não queria me sentir
inferior a ninguém.” Luiz Gabriel
“Por que cacheado? Por que não liso?
Eu não gostava do meu cabelo, me achava diferente das outras
pessoas… Ele era cheio, volumoso, cheio de ondinhas que pareciam
miojo, enfim, eu detestava.” Giovanna
“Muita gente tem marca de nascença, e
eu sou uma dessas pessoas. Eu tinha muito receio e até uma certa
vergonha de usar algumas roupas ou biquíni só pelo fato de ela
aparecer. Já fizeram muitas brincadeiras de mau gosto comigo, já
fiquei mal de verdade por conta dessas brincadeiras.” Maria
Carolina
“Uma parte da minha infância foi
marcada pelo apelido Dumbo, porque eu era gordinho, baixinho e,
óbvio, orelhudo. Não aceitava de jeito nenhum esse apelido, tinha
vontade de não sair mais de casa. Chegar perto de um espelho, então,
‘somente para ver dos ombros pra baixo’.” Allef
“Faz uma franja, não use tiara, não
prende o cabelo assim. Com tantas pessoas falando, às vezes acabamos
escondendo nossa testa com uma franja ou uma touca. Não ligue quando
derem um tapa na sua testa e falarem que dá para amaciar carne ali.”
Larissa
Por que será tão fácil nos acusarmos e
acusarmos os outros, nos condenarmos e condenarmos os outros por
sermos como somos e tão difícil cultivarmos afeto pela nossa
natureza? Não é difícil entendermos, se sairmos olhando as imagens
com as quais somos bombardeados diariamente. Pessoas impecáveis,
corpos esculpidos com Photoshop. Tudo montado, tudo estruturado.
Natural acharmos que só nós, mortais, temos defeitos.
Então chega, né? Chega de ser escrava
da maquiagem. Chega de boné escondendo a testa, o cabelo ou a
careca. Chega de cinta modeladora, de calcinha que aperta a barriga.
Chega de barba para esconder o queixo pontudo. Chega de secar o
cabelo todo dia no verão. E chega, sobretudo, de apontar essas
“falhas” nos outros. Chega de ser mais um dedo que julga aqueles
que já são julgados diariamente por si próprios.
A gente pode gostar de tudo isto: de
batom, de corretivo, de cabelo alisado, de barba, de boné. Mas a
gente precisa gostar mais da gente. Precisa se abraçar de vez em
quando e se aceitar do jeito que é. Precisamos elogiar os outros.
Reduzir as críticas, as piadas, os risos. A gente nem pode mensurar
o mal que isso faz, para nós e para os outros. E nem imaginamos
quantas empresas lucram milhões com a nossa autoestima no chão. Que
sentido faz contribuirmos com elas, e não conosco e com as pessoas
que nos cercam?
Luiz Gabriel, garotos altos são lindos e
dão os melhores abraços. Deve ter muita gente querendo um abraço
seu. Giovanna, acabei de gastar uma nota num aparelho para
encaracolar meus cabelos, aproveite os seus que são assim
naturalmente. Maria Carolina, eu também tenho uma mancha de
nascença, vermelha, no pescoço. Aprendi a achar um charme, prendo o
cabelo só pra ela aparecer. Allef, eu também era chamada de Dumbo.
Acabei me rendendo a uma cirurgia plástica. Vou me orgulhar de você
se não fizer o mesmo. E se decidir fazer um dia, vou ser a primeira
a entender. Larissa, dizem que testa grande é sinal de inteligência.
Eu realmente acredito nisso, porque minha irmã tem uma testa enorme
e é uma mulher brilhante. E, por sinal, também é linda,
independentemente do tamanho da testa.
Eu nem conheço vocês, mas uma coisa
garanto: vocês são muito mais fantásticos do que pensam ser. A
gente tem essa péssima mania de achar que somos bem menos do que
somos realmente. Não se rendam a isso não.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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