Dobrei — entre contentamento e tristeza
— as poucas e mudas roupas. Nunca soube por que as lágrimas se
negam a serem doces quando convocadas pela alegria. Sempre chorei
salgado, talvez pelo peso da carne morta. Meu desterro, decretado
pela voz do pai — naquela manhã seca e fria —, me fez inventar
meu porto, mesmo sem escolher a margem do rio. Do abandono construí
meu cais sempre do outro lado. Em barco sem âncora e bússola,
carrego, agarrado ao meu casco, caramujos suportando sobre si o
próprio abrigo, solitariamente.
Não disse adeus. O amor peregrinou em
meu corpo vida adentro. Se tudo era nada, a lembrança acordava mais.
O amor se fez sempre o rosto do meu depois. A saudade, ao me
afrontar, mais eu desfazia dos amanhãs. E, se a carne reclamava, eu
salgava sua dor com os sonhos da memória. Sua ausência ocupou os
labirintos por onde eu me procurava e me perdia em meus próprios
traços. Mesmo em vão, jamais interditei os prenúncios do meu amor.
Dois. Desconheço o depois de minha
despedida. Não se caminha sobre a sombra ao entardecer. Ignoro se o
remorso nos preservava em suas memórias, ou se a paixão lhes
presenteou com o esquecimento. A culpa é relativa ao tamanho da
memória. Esquecer é desexistir, é não ter havido. Ao me
interrogar se tomate ainda há, não me fecho em silêncio. Confirmo
que minha primeira leitura se deu a partir de um recado rabiscado
pela faca no ar cortando em fatias o vermelho.
Bartolomeu Campos de Queirós, in Vermelho Amargo
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