Como vimos, a maioria das pessoas admite
haver racismo no Brasil, mas quase ninguém se assume como racista.
Pelo contrário, o primeiro impulso de muita gente é recusar
enfaticamente a hipótese de ter um comportamento racista: “Claro
que não, afinal tenho amigos negros”, “Como eu seria racista, se
empreguei uma pessoa negra?”, “Racista, eu, que nunca xinguei uma
pessoa negra?”.
A partir do momento em que se compreende
o racismo como um sistema que estrutura a sociedade, essas respostas
se mostram vazias. É impossível não ser racista tendo sido criado
numa sociedade racista. É algo que está em nós e contra o que
devemos lutar sempre.
É claro que há quem seja abertamente
racista e manifeste sua hostilidade contra grupos sociais vulneráveis
das mais diferentes formas. Mas é preciso notar que o racismo é
algo tão presente em nossa sociedade que muitas vezes passa
despercebido. Um exemplo é a ausência de pessoas negras numa
produção cinematográfica—aí também está o racismo. Ou então
quando, ao escutar uma piada racista, as pessoas riem ou silenciam,
em vez de repreender quem a fez—o silêncio é cúmplice da
violência. Muitas vezes, pessoas brancas não pensam sobre o que é
o racismo, vivem suas vidas sem que sua cor as faça refletir sobre
essa condição. Por isso, o combate ao racismo é um processo longo
e doloroso. Como diz a pensadora feminista negra Audre Lorde, é
necessário matar o opressor que há em nós, e isso não é feito
apenas se dizendo antirracista: é preciso fazer cobranças.
Amelinha Teles, memorável feminista
brasileira, em seu livro Breve história do feminismo no Brasil,
afirma que ser feminista é assumir uma postura incômoda. Eu diria
que ser antirracista também. É estar sempre atento às nossas
próprias atitudes e disposto a enxergar privilégios. Isso significa
muitas vezes ser tachado de “o chato”, “aquele que não vira o
disco”. Significa entender que a linguagem também é carregada de
valores sociais, e que por isso é preciso utilizá-la de maneira
crítica deixando de lado expressões racistas como “ela é negra,
mas é bonita”—que coloca uma preposição adversativa ao elogiar
uma pessoa negra, como se um adjetivo positivo fosse o contrário de
ser negra—, usar “o negão” para se referir a homens negros—não
se usa “o brancão” para falar de homens brancos—, ou elogiar
alguém dizendo “negro de alma branca”, sem perceber que a frase
coloca “ser branco” como sinônimo de característica positiva.
É preciso pesquisar, ler o que foi
produzido sobre o tema por pessoas negras —e é bastante coisa. No
caso de quem tem acesso a bibliotecas e universidades, a
responsabilidade é redobrada, e não deve ser delegada. Eu brinco
que, muitas vezes, pessoas brancas nos colocam no lugar de
“Wikipreta”, como se nós precisássemos ensinar e dar todas as
respostas sobre a questão do racismo no Brasil. Essa
responsabilidade é também das pessoas brancas —e deve ser
contínua.
Conversar em casa com a família e com os
filhos, e não só manter uma imagem pública, com destaque para as
redes sociais, também é fundamental. Algumas atitudes simples podem
ajudar as novas gerações, como apresentar para as crianças livros
com personagens negros que fogem de estereótipos ou garantir que a
escola dos seus filhos aplique a Lei n. 10639/2003, que alterou a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação para incluir a obrigatoriedade do
ensino da história africana e afro-brasileira. Um ensino que
valoriza as várias existências e que referencie positivamente a
população negra é benéfico para toda a sociedade, pois conhecer
histórias africanas promove outra construção da subjetividade de
pessoas negras, além de romper com a visão hierarquizada que
pessoas brancas têm da cultura negra, saindo do solipsismo branco,
isto é, deixar de apenas ver humanidade entre seus iguais. Mais
ainda, são ações que diminuem as desigualdades.
Não podemos nos satisfazer com pouco.
Apesar de termos avançado nas últimas décadas, não podemos achar
que foi o suficiente. Não basta ter um ou dois negros na empresa, na
TV, no museu, no ministério, na bibliografia do curso. Se disserem
que ser antirracista é ser “o chato”, tudo bem. Precisamos
continuar lutando.
Djamila Ribeiro, in Pequeno manual antirracista
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