As árvores da floresta seguem um manual
de etiqueta tácito, que dita sua aparência e o que devem fazer. Na
idade adulta, um exemplar frondoso e disciplinado deve ter tronco
ereto, com fibras internas de madeira completamente uniformes. As
raízes se estendem de forma simétrica em todas as direções e se
aprofundam na terra. Os galhos laterais, finos na juventude, já
morreram e foram cobertos por casca fresca e madeira nova,
apresentando assim um tronco longo e homogêneo. Apenas na
extremidade superior é que se forma uma copa uniforme de galhos
fortes que apontam para o céu como braços estendidos na diagonal.
Uma árvore ideal como essa pode viver bastante. No caso das
coníferas, as regras são semelhantes – a diferença é que os
galhos da copa podem ser perpendiculares ou levemente curvados para
baixo.
Mas para que tudo isso? As árvores se
importam com a beleza? Não sei, mas existe um bom motivo para
buscarem a aparência ideal: estabilidade. As grandes copas das
árvores adultas ficam expostas a ventanias, tempestades e nevascas.
A árvore precisa amortecer o impacto dessas forças e conduzi-las
através do tronco até as raízes, que devem conter a maior parte da
energia para impedir que a árvore tombe. Para isso, a raiz se agarra
ao solo e às pedras. A violenta energia redirecionada de um vendaval
pode atingir a base do tronco com uma força equivalente a 200
toneladas.11 Se a árvore tiver algum ponto fraco, ele pode se
transformar em uma fissura e, em casos mais graves, quebrar o tronco.
As árvores estáveis atenuam esse impacto de maneira uniforme,
dissipando-o e distribuindo-o por sua estrutura.
No entanto, quem não segue o manual de
etiqueta tem dificuldades. Se o tronco estiver curvado, por exemplo,
terá problemas durante a hibernação. O enorme peso da copa não
será bem distribuído pelo diâmetro do tronco e acabará
pressionando apenas um lado da madeira. Para que o tronco não dobre,
a árvore terá que fortalecer esse lado. Quando precisar se valer
desse mecanismo, surgirão anéis especialmente escuros no tronco
(nos pontos onde armazena menos ar e mais substâncias).
A situação das árvores de tronco
bifurcado, ou em forquilha, é ainda pior. Nesses casos, o tronco se
divide em determinado ponto, e a partir daí as duas partes crescem
lado a lado. Quando bate um vento forte, as partes, cada uma com sua
copa, balançam e forçam o ponto de bifurcação. Se ele tiver a
forma de U, normalmente não há problema, e nada acontece, mas se a
forquilha for em forma de V podem surgir complicações, pois o ponto
de convergência será muito pontudo, e não dará uma base de
sustentação larga o suficiente para que a árvore suporte a força
do vento. Ela acaba se partindo onde o tronco se divide.
Isso pode causar dificuldades para a
árvore. Depois da quebra ela cria uma protuberância na região
afetada para que não haja outro rompimento quando voltar a crescer.
No entanto, em geral essa tática é inútil, e o ponto de quebra
passará a vazar continuamente um líquido que ganha uma coloração
preta por causa das bactérias. Para piorar, a água começa a
penetrar a fissura e provoca apodrecimento. Por isso, no caso de
muitas forquilhas, quando a árvore se parte ao meio a metade mais
estável permanece em pé. Essa meia árvore sobrevive no máximo
algumas décadas. A ferida imensa e aberta não tem mais cura, e
lentamente os fungos começam a devorá-la de dentro para fora.
Muitas árvores têm o tronco curvado
como uma banana. Sua base cresce inclinada, e só mais tarde começam
a crescer verticalmente. Elas ignoram o manual de etiqueta, e com
frequência é possível encontrar partes inteiras de uma floresta
com tronco curvado. Será que, nesse caso, as leis da natureza estão
sendo ignoradas? Não. Muito pelo contrário: é o entorno que as
obriga a crescer dessa forma.
Isso acontece, por exemplo, nas partes
elevadas de montanhas pouco antes dos limites da floresta. Em certos
lugares com inverno rigoroso, a neve costuma atingir alguns metros de
altura, e sempre há deslizamentos. E não precisam ser avalanches:
mesmo em repouso a neve se desloca lentamente vale abaixo, em um
movimento imperceptível aos nossos olhos. Com isso, acaba curvando
as árvores, ao menos as mais jovens. No caso das menores, isso não
é uma tragédia, pois elas voltam a se aprumar depois do
derretimento da neve e não sofrem ferimento algum. No entanto, nas
de crescimento médio, com alguns metros de altura, o tronco é
danificado ou, no pior dos casos, fica retorcido ou até se quebra. A
partir de então tentam crescer verticalmente, mas, como crescem a
partir da ponta superior, a base permanece na mesma posição. No
inverno seguinte, a árvore é entortada outra vez pela neve, mas
quando cresce é em linha reta.
Se isso se repetir por muitos anos, aos
poucos a árvore é moldada e ganha o formato de um sabre. Só com o
passar do tempo o tronco engrossa o bastante e fica tão estável que
a neve não consegue mais danificá-lo. Com isso, a parte torta
inferior permanece curva, enquanto a superior fica reta como nas
árvores normais.
Em encostas, a árvore também pode
crescer dessa forma mesmo sem a pressão da neve. Nesse caso, talvez
a causa seja o solo, que ao longo dos anos desliza de maneira
extremamente lenta para o fundo do vale. Quase sempre o terreno desce
apenas poucos centímetros por ano. Com isso, as árvores deslizam e
se inclinam enquanto continuam crescendo para cima.
É possível observar a versão extrema
desse fenômeno no Alasca e na Sibéria, lugares onde a camada de
solo permanentemente congelado começa a derreter por causa da
mudança climática. As árvores perdem o apoio e se desequilibram no
solo enlameado. Cada espécime se inclina em uma direção, e a
floresta lembra um bando de bêbados cambaleantes.
Nos limites da floresta, a regra que dita
o crescimento reto dos troncos perde força. Ao contrário do que
acontece no centro da floresta, a luz também incide de lado,
atravessando qualquer local sem árvore, como uma pradaria ou um
lago. Dessa forma, árvores menores podem sair de baixo das grandes e
crescer na direção do terreno aberto. As frondosas podem curvar seu
tronco e deslocar sua copa em até 10 metros, inclinando o broto
principal de maneira quase horizontal. Claro que, com esse movimento,
a árvore corre o risco de quebrar numa nevasca. No entanto é melhor
uma vida curta mas com luz suficiente para a reprodução do que não
viver.
Enquanto a maioria das árvores frondosas
aproveita a oportunidade, grande parte das coníferas é teimosa: só
cresce diretamente para cima e em linha reta, contra a gravidade,
formando um tronco perfeito e estável. Somente os galhos laterais às
margens da floresta podem ficar mais grossos e longos com a
incidência da luz. O pinheiro é a única conífera que desloca a
copa. Não surpreende que, entre esse grupo de espécies, seja a que
apresenta a maior taxa de rompimento sob o peso da neve.
Peter Wohllben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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