Com frequência, levando meus filhos para
a escola, tenho que desligar o rádio. Só se fala em morte:
terroristas suicidas no Afeganistão, violência nas ruas do Brasil e
do mundo, na faixa de Gaza, controle de armas para evitar mais
ataques em escolas (nos EUA), corrupção política, o vício e a
ganância do homem ocupando o centro do palco. Certa vez, meu filho
Lucian, sentado no banco de trás, disse, horrorizado: “Ei pai, e
você fica dizendo que videogame é que é violento!” Foi quando
desliguei o rádio. Vivemos numa sociedade que tem uma atração
patológica pela morte. Aparentemente, boa notícia ou não vende ou
não é interessante.
Talvez, no sofrimento dos outros,
encontremos – de forma mesquinha – um alívio para o nosso.
Contraste isso com uma experiência que tive alguns anos atrás,
quando viajei pelo país durante a Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia. Mais de oitocentas cidades por todo o Brasil produziram
algum tipo de evento sobre ciência com o objetivo de atrair o
interesse das crianças e dos jovens aos estandes de exibição e
atividades. Isso se repete todos os anos. Naquele ano (2013),
Brasília foi o centro das atividades, focadas nos esportes e na
melhora da qualidade de vida. Ou seja, um foco na vida, através da
ciência.
Todos os dias, milhares de crianças
visitaram o centro de exposições, trazidas pelas suas escolas. As
mais novinhas, do jardim de infância, andavam em fila de mãos dadas
para não se perder nas multidões. De olhos arregalados, devoravam
tudo o que viam, absorvendo o máximo de informação que podiam.
Tenho certeza de que muitas delas, a maioria de áreas carentes, não
se esquecerão desse dia especial, tão diferente dos outros. Pelo
menos por um dia, a ciência se transformou num portal mágico, capaz
de transportá-las para um mundo cheio de descobertas e fantasias.
O grande físico Isidor Rabi disse uma
vez que os cientistas são os Peter Pan da sociedade, os que nunca
param de fazer as perguntas que as crianças fazem o tempo todo, o
“Por que isso? Por que aquilo?” que costuma irritar os pais que,
em geral, não sabem a resposta e têm preguiça de procurá-la. (O
que, aliás, é uma grande oportunidade perdida, pois nada melhor do
que a família aprender junto algo novo.)
Para uma criança, o mundo é um grande
laboratório, cheio de experiências a realizar, explorando como os
objetos interagem entre si, como os animais vivem e comem, como as
plantas crescem e morrem. Toda criança nasce cientista, testando
hipóteses e experimentando para aprender. Deixar algo cair no chão
para ver se quebra, encher um copo com um monte de fluidos e comidas
fazendo “poções mágicas”, pôr coisas no fogo para ver como
queimam, misturar tintas de cores diferentes, fazer aviões de papel
para ver os que voam melhor, colecionar insetos, tudo isso faz parte
da exploração científica do mundo.
A Natureza se abre como um livro quando a
curiosidade pode voar livremente. Até, claro, os adultos chegarem.
“Não mexe nisso! Cuidado, vai quebrar! Você vai se queimar! Vai
se molhar! Vai levar choque! Vai ser picado!” Sendo pai de cinco,
entendo bem que temos que ensinar para as crianças a diferença
entre explorar brincando e se machucar brincando de explorar. Mas
existe uma diferença enorme entre educar uma criança a ter cuidado,
e reprimir seus instintos de exploração, sua relação lúdica com
o mundo. Nas escolas e em casa, forçamos as crianças a se
conformarem a moldes rígidos de comportamento, a serem todas iguais,
suprimindo comportamentos e atitudes vistas como “provocadoras”,
reprimindo perguntas que achamos “chatas”, insistentes ou, pior
ainda, “bobas”.
Até manifestações de carinho são,
ocasionalmente, vistas com suspeita: não invada o espaço do
Chiquinho, fique na sua “bolha”. Queremos crianças afetuosas,
mas dentro de nossos moldes ascéticos. (Isso costuma ser bem pior
nos EUA do que no Brasil.) Temos muito o que aprender com as
crianças. Se queremos motivá-las a se interessar por ciência,
temos que deixá-las soltas, dando-lhes espaço para realizar seus
experimentos, para explorar, enquanto crescem num mundo tantas vezes
hostil. E, no processo, nós, os adultos, os pais, os professores,
acabamos nos liberando também, inspirados pelas crianças, por sua
energia e curiosidade, e nos lembramos de focar nossa atenção na
vida e não na morte e na destruição, no senso de maravilhamento
com o mundo e com as pessoas.
É óbvio que precisamos examinar o que
ocorre na sociedade e na política, como entendemos bem no Brasil
atual. Mas, para construir uma sociedade saudável, é necessário
vivenciar os dois opostos. Inspirados pelas crianças, os grandes
portais de mídia e informação deveriam fazer o seu grande
experimento, e estudar o que ocorreria com a sociedade se o foco das
notícias deixasse de ser exclusivamente a morte, o crime, a
corrupção e a fofoca leviana e incluísse, também, o bem viver e
os grandes feitos da criatividade humana nas artes, nos esportes, na
ciência. Se a intenção dos noticiários ao nos informar dos
horrores de que somos capazes é mudar nosso comportamento, podemos
com segurança absoluta afirmar que esse experimento fracassou. É
hora de tentarmos outro, que enalteça o espírito humano, e não o
esmague continuamente.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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