quarta-feira, 9 de junho de 2021

Armênia

Agora voamos até uma terra laboriosa e legendária. Estamos na Armênia. Ao longe, até o sul, o cume nevado do monte Ararat preside a história da Armênia. Foi aqui onde a arca de Noé se deteve, segundo a Bíblia, para repovoar a terra. Tarefa difícil porque a Armênia é pedregosa e vulcânica. Os armênios cultivaram esta terra com sacrifício indizível e elevaram a cultura nacional ao ponto mais alto do mundo antigo. A sociedade socialista deu um desenvolvimento e um florescimento extraordinário a esta nobre nação martirizada. Durante séculos os invasores turcos massacraram e escravizaram os armênios. Cada pedra dos páramos e cada lousa dos mosteiros tem uma gota de sangue armênio. A ressurreição socialista deste país tem sido um milagre e o maior desmentido aos que, de má-fé, falam de imperialismo soviético. Visitei na Armênia fábricas de fiação que empregam 5.000 operários, imensas obras de irrigação e de energia, e outras indústrias poderosas. Percorri de uma ponta a outra as cidades e as campinas pastorais e não vi senão armênios, homens e mulheres armênios. Encontrei um único russo, um solitário engenheiro de olhos azuis entre os milhares de olhos negros daquela população morena. Aquele russo estava dirigindo uma central hidrelétrica no lago Sevan. A superfície do lago, cujas águas se deslocam por um só leito do rio, é demasiado grande. A água preciosa se evapora sem que a Armênia sedenta consiga recolher e utilizar seus dons. Para ganhar tempo sobre a evaporação alargaram o rio. Assim se reduzirá o nível do lago e, ao mesmo tempo, serão criadas com as novas águas do rio oito centrais hidrelétricas, novas indústrias, poderosas usinas de alumínio, luz elétrica e irrigação para todo o país. Nunca esquecerei minha visita àquela cidade hidrelétrica elevando-se sobre o lago que em suas águas puríssimas reflete o azul inolvidável do céu da Armênia. Quando os jornalistas me perguntaram sobre minhas impressões das antigas igrejas e mosteiros da Armênia respondi exagerando:
A igreja de que mais gosto é a catedral hidrelétrica, o templo junto ao lago.
Vi muitas coisas na Armênia. Acho que Erevan é uma das mais belas cidades, construídas de crosta vulcânica, harmoniosa como uma rosa rosada. Foi inesquecível a visita ao centro astronômico de Binakan, onde vi pela primeira vez o registro das estrelas. Captava-se a luz trêmula dos astros e delicadíssimos mecanismos iam registrando a palpitação da estrela do espaço como uma espécie de eletrocardiograma do céu. Naqueles gráficos observei que cada estrela tem um tipo de registro diferente, fascinante e trêmula, ainda que incompreensível para meus olhos de poeta terrestre.
No jardim biológico de Erevan fui direto à jaula do condor, mas meu compatriota não me reconheceu. Estava ali num canto da jaula, calvo e com esses olhos céticos de condor sem ilusões, de grande pássaro saudoso de nossas cordilheiras. Olhei-o com tristeza porque eu voltaria à minha pátria e ele permaneceria infindavelmente prisioneiro.
Minha aventura com o tapir foi diferente. O zoológico de Erevan é um dos poucos que possui uma anta do Amazonas, esse animal extraordinário com corpo de boi, cara nariguda e olhos mínimos. Devo confessar que as antas se parecem comigo – isto não é um segredo.
A anta de Erevan dormitava em seu cercado, junto ao pequeno lago. Ao ver-me dirigiu-me um olhar de inteligência; quem sabe alguma vez nos tínhamos encontrado no Brasil. O diretor perguntou se eu queria vê-la nadar, ao que respondi que só pelo prazer de ver uma anta nadar viajava pelo mundo. Abriram-lhe uma portinhola. Deu-me uma olhada de felicidade e se lançou na água, resfolegando como um cavalo-marinho, como um tritão peludo. Alçava-se tirando todo o corpo fora d'água; mergulhava, fazendo ondas tempestuosas; levantava-se, ébria de alegria, bufava e assoprava, e logo prosseguia com grande velocidade em suas acrobacias incríveis.
Nunca a vimos tão contente – disse o diretor do zoológico.
Ao meio-dia, no almoço que a Sociedade de Escritores me oferecia, contei-lhes em meu discurso de agradecimento as proezas da anta amazônica e lhes falei de minha paixão pelos animais. Nunca deixo de visitar um jardim zoológico.
No discurso de resposta o presidente dos escritores armênios disse:
Que necessidade tinha Neruda de ir visitar nosso jardim zoológico? Vindo à Sociedade de Escritores lhe bastava para encontrar todas as espécies. Aqui temos leões e tigres, raposas e focas, águias e serpentes, camelos e papagaios.

Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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