Conforto.
Conforto é uma palavra deliciosa. Conforto nos remete diretamente à
ideia de um edredom branco, bem fofinho e cheiroso no qual nos
afundamos nos fins de semana. Mas experimente colocar “zona de”
na frente do conforto para vê-lo estragar automaticamente.
Eu
me lembro bem. Faltava meia hora para a minha banca de mestrado, eu
estava tão apavorada… Com enjoo e tudo mais, surtando. Lembro de
me perguntar por que é que eu me metia nessas coisas, em vez de
ficar sossegada. Segundos depois deparei com a seguinte frase solta
pelas redes sociais: “A vida começa no fim da sua zona de
conforto.” Parei. Li outra vez. Aquilo fazia algum sentido.
Transformei o pânico em frio na barriga. Entrei na sala, defendi
minha dissertação e deu tudo certo.
É
engraçado pensar quantas vezes nós usamos desculpas esfarrapadas
para esconder nossa falta de coragem. Não vou me candidatar a esse
curso porque não tenho tempo (e não por medo de não ser aprovado),
não vou fazer essa viagem porque não quero gastar dinheiro (e não
por medo de avisar no trabalho que vai ficar uma semaninha fora), não
vou ligar porque ele não é tudo isso (e não por medo de ouvir um
não).
A
vida é povoada de nãos, de medos, de riscos. E sair da zona de
conforto é trabalhoso. Custa coragem, custa tentativa, custa alguns
erros, alguns empregos, alguns relacionamentos, algumas certezas. Mas
a zona de conforto, frequente e ironicamente, é bastante
desagradável. É o trabalho das 8h às 18h. O trânsito na ida e na
volta. É a mesma comida, a mesma coisa na televisão. O mesmo
domingo, as mesmas queixas. A zona de conforto está lá, nos
cozinhando em banho-maria, matando os nossos dias devagarzinho,
acinzentando nossos hábitos.
Não
tem jeito: se a gente não fizer mais do que costuma e sabe fazer, a
vida vai ficar sempre igual. Se a gente não se meter em umas
encrencas, não se colocar em certos desafios, não jogar meia dúzia
de coisas pro alto, a vida nunca vai ficar mais vida do que ela é.
Adoro
o Po, do Kung Fu Panda, porque ele é exatamente isso. Ele se
sente extremamente inapto para os desafios que a vida lhe impôs –
não sabe lutar, não sabe treinar, não se sente à vontade naquele
ambiente, preferia ficar comendo, sentado num cantinho –, mas sabe
que precisa encarar. E sabe que, de um jeito ou de outro, tudo vai
dar certo.
Eu
me sinto como o Po em muitas esferas da vida. Um certo sentimento de
inadaptação. De não saber se sou capaz. É assim toda quarta-feira
com o blog, dá medo. Foi assim quando tive que escrever o primeiro
livro. Quando entrei no mestrado. Quando advogo em causas grandes.
Quando mudei de país. Quando entrei no doutorado. Mas a gente tem
que acreditar. Tem que pegar os desafios pelo chifre, rir da zona de
conforto e seguir em frente.
E
não há sensação melhor do que conseguir. Às vezes com maestria,
às vezes com certa mediocridade, mas conseguir. E mesmo nas vezes em
que a gente não consegue… Tentar também faz muito sentido. Faz
sentido sair do raso, do previsível, do seguro (que morre de velho
ou morre de chato).
Faz
sentido abrir a janela, abrir a porta, colocar a cara no sol. Porque
a vida está lá fora. E ficar sempre aqui dentro é uma escolha. Uma
escolha triste, mas possível e até bastante confortável. Esse é o
perigo.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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