Ergui a cabeça. Ouvi o passo de Zorba
saindo da galeria. Pouco depois eu o vi aproximar-se, a face
alongada, fechada, seus grandes braços se balançando, como
descolados.
— Boa noite, patrão! — disse ele,
mal abrindo a boca.
— Salve, amigo. Como foi o trabalho
hoje?
Não respondeu.
— Vou acender o fogo — disse ele —
e fazer o jantar.
Tomou um monte de lenha no canto, saiu,
dispôs artisticamente os pedaços de madeira entre as duas pedras e
acendeu. Apanhou a caçarola de barro, encheu com água e jogou
dentro tomates, cebolas, arroz e começou a cozinhar. Enquanto isso,
eu punha um guardanapo sobre a mesa redonda e baixa, cortava fatias
de pão e enchia de vinho a cabaça ornada de desenhos, que tio
Anagnosti nos tinha dado logo que chegamos.
Zorba se havia posto de joelhos diante da
caçarola, olhava o fogo com os olhos dilatados, e ficava em
silêncio.
— Você tem filhos, Zorba? —
perguntei bruscamente. —
Por que pergunta? Tenho uma filha.
— Casada?
Zorba começou a rir.
— Do que está rindo, Zorba?
— Isso não se pergunta — disse ele.
— claro que casada. Ela não é idiota. Eu trabalhava numa mina de
cobre, em Pravitsa, na Calcídia. Um dia, recebo uma carta de meu
irmão Yanni. É verdade, havia me esquecido de dizer-lhe que tenho
um irmão, um homem de peso, sensato, caloteiro, usuário, hipócrita,
um homem como se deve ser, pilastra da sociedade. Ele é quitandeiro
em Salônica. “Alexis, meu irmão, escrevia-me ele, tua filha
Frosso tomou o mau caminho, ela desonrou o nosso nome. Ela tem um
amante e teve um filho com ele, lá se foi a nossa reputação. Vou
até a aldeia para degolá-la.”
— E o que fez você, Zorba?
Zorba balançou os ombros:
— “Ora! Mulheres!” disse eu ao
acabar de ler, e rasquei a carta.
Mexeu o arroz, pôs sal e riu.
— Mas espere que você ainda não viu o
melhor. Dois meses depois recebo eu do cretino do meu irmão uma
segunda carta. “Saúde, alegria, meu querido irmão Alexis!”
escrevia o imbecil. “A honra retomou seu lugar, pode agora levantar
tua fronte, o homem do qual lhe falei esposou Frosso!”
Zorba voltou-se e me olhou. À luz de seu
cigarro eu via seus olhos brilharem. Balançou ainda os ombros:
— Ora! Homens! — disse ele com um
desprezo enorme. E logo depois:
— O que se pode esperar das mulheres? —
disse. — que façam filhos com o primeiro que passar. O que se pode
esperar dos homens? Que caiam na armadilha. Tome nota disso, patrão.
Tirou a caçarola do fogo e nos pusemos a
comer.
Zorba havia retornado às suas reflexões.
Uma preocupação o atormentava. Ele me olhava, abria a boca,
fechava-a de novo. À luz da lamparina de azeite eu via nitidamente
seus olhos aborrecidos e inquietos.
Não aguentei mais.
— Zorba — disse-lhe eu, — você tem
alguma coisa para me dizer. Diga logo. Você está com dor de
barriga. Pode botar para fora!
Zorba ficou calado. Apanhou uma pedrinha
e lançou-a com força pela porta aberta.
— Largue as pedras e fale!
Zorba esticou seu pescoço enrugado.
— Você tem confiança em mim, patrão?
— perguntou ele, ansioso, olhando-me nos olhos.
— Tenho, Zorba — respondi. — não
importa o que fizer, você não consegue enganar a você mesmo. Você
é como o leão ou como o lobo. Essas feras não se comportam nunca
como carneiros ou jumentos, elas não se afastam de sua natureza.
Você também: você é Zorba até as pontas do cabelo.
Zorba balançou a testa:
— Mas, eu não sei mais onde diabo vai
parar! — disse ele.
— Deixe que eu sei, não se preocupe.
Vá em frente.
— Diga mais uma vez, patrão, para que
eu tome coragem! — gritou ele.
— Vá em frente!
Os olhos de Zorba brilharam.
— Agora posso falar — disse. — há
alguns dias tenho um grande projeto na cabeça, uma ideia maluca.
Vamos fazê-la?
— E você ainda pergunta? Mas, se é
para isso que viemos aqui: para realizar ideias.
Zorba alongou o pescoço, olhando-me com
alegria e medo:
— Fale direito, patrão! — gritou
ele. — nós não viemos aqui por causa do carvão?
— O carvão é um pretexto, para que as
pessoas não fiquem curiosas. Para que nos tomem como sábios
empreendedores e não nos recebam com legumes podres. Compreendeu,
Zorba?
Zorba ficou de boca aberta. Ele procurava
entender, não ousava acreditar em tanta felicidade. Subitamente viu
claro. Precipitou-se sobre mim, segurando-me os ombros:
— Sabe dançar? — perguntou com
paixão. — sabe dançar?
— Não.
— Não?
Ele deixou cair os braços, estupefato.
— Bom — disse. Ao cabo de um momento.
— então eu vou dançar, patrão. Sente-se o mais longe que puder,
para que eu não o machuque. Ohe! Ohe!
Deu um salto, irrompeu para fora do
barracão, chutou seus sapatos para o ar, arrancou colete, camisa,
enrolou a calça nos joelhos e pôs-se a dançar. Seu corpo, ainda
sujo de carvão, estava todo negro. Seus olhos brilhavam, todos
brancos.
Jogou-se à dança, batendo as mãos,
erguendo-se no ar, fazendo piruetas, voltando ao chão com os joelhos
dobrados, como se fosse de borracha. De repente, ele atirava-se para
o alto como se quisesse vencer as leis da natureza e sair voando.
Sentia-se nesse corpo cheio de vermes a alma em luta para empolgar a
carne e jogar-se com ela nas trevas, como um meteoro. Ela sacudia o
corpo que tombava, não podendo mantê-lo no ar por muito tempo; ela
o impulsionava de novo, impiedosa, dessa vez um pouco mais alto, mais
o coitado caía, arquejante.
Zorba franzia as sobrancelhas, sua face
havia tomado um ar inquietante grave. Não gritava mais. Com as
mandíbulas cerradas ele se esforçava para atingir o impossível.
— Zorba! Zorba! — gritei. — já
chega!
Tinha medo que de repente o velho corpo
não resistisse a tanto ímpeto e explodisse em mil pedaços aos
quatro ventos.
Podia gritar à vontade. Como poderia
Zorba ouvir os gritos da terra? Suas entranhas se haviam transformado
nas de um pássaro.
Seguia com ligeira inquietação a dança
selvagem e desesperada.
Nikos Kazantzakis, in Zorba, O Grego
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