segunda-feira, 31 de maio de 2021

Filha da PUC

Não faço a menor ideia de quando foi o primeiro dia em que pisei na Pontifícia. Esse deve ser um dia muito remoto em meio às minhas primeiras lembranças de vida. Confesso que, ao longo da faculdade, tive até uma certa inveja dos amigos que diziam “Lembro do dia em que entrei na PUC pela primeira vez e...”. A vida nem me deu chance. Mas ainda bem.
Meus pais se conheceram naqueles corredores em 1969 – diz ele que já gostava dela, ela diz que é mentira, nunca saberemos – e praticamente nunca mais saíram de lá. Então acabei crescendo como se a PUC fosse uma mistura de quintal de casa, de parente próximo, de presença intermitente. A PUC sempre foi assunto na mesa do almoço e um destino repetido no banco do carro.
Meu irmão fugiu para a Unicamp, mas minha irmã ficou na PUC e eu também. Fizemos durante anos aquele caminho de todo dia: Nhambiquaras, República do Líbano, corta caminho, cruza a Nove de Julho, sai na Brasil lá na frente, cruza a Rebouças, Henrique Schaumann, Sumaré, sobe, passa o mercado Pastorinho e vira à direita. Ano após ano, até cansar.
O problema é que o tempo passou e a PUC deixou de ser essa tal de todo dia. E aí virou saudade. Saudade de comer pastel na feira às terças, de tomar açaí sentada na escada da prainha, de tomar cerveja na terceira aula em horários sem cabimento, de comer aqueles sanduíches naturais muito caros do quarto andar, saudade de afugentar pombas, de morrer de medo de ter bicho no lanche do Centro Acadêmico, saudade de comer milho antes da aula à noite, saudade de cometer o grave pecado de entrar na biblioteca com uma garrafa de água escondida embaixo do casaco. A PUC pertence àquela espécie que nunca vai ser bem um lugar. É, sei lá eu, estado de espírito, destino, profundeza, amor, ódio, ausência dolorida.
A PUC é personagem da história de quem passa por ela, gostando ou não. É a lembrança de um cheiro de flor misturado com maconha e croissant de presunto e queijo. É a visão sincera da feiura do prédio novo (que já é velho) e do charme decadente do prédio velho (que é mesmo muito velho). É um emaranhado de rampas confusas e de lembranças que valem mais do que o salgado preço das suas mensalidades.
E vale dizer: na biblioteca da PUC, se você for à seção de dissertações, procurar a letra “M” e for até Manus, vai se deparar com a do Pedro, a da Maria Eugenia e a da Ruth. Uma ao lado da outra. Pedro é meu pai, Maria Eugenia é minha mãe. Confesso que quando descobri isso fiquei com os olhos cheios de lágrimas. Não tem jeito. Sou filha da PUC até nas prateleiras. Que orgulho.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

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