Não faço a menor ideia de quando foi o
primeiro dia em que pisei na Pontifícia. Esse deve ser um dia muito
remoto em meio às minhas primeiras lembranças de vida. Confesso
que, ao longo da faculdade, tive até uma certa inveja dos amigos que
diziam “Lembro do dia em que entrei na PUC pela primeira vez e...”.
A vida nem me deu chance. Mas ainda bem.
Meus pais se conheceram naqueles
corredores em 1969 – diz ele que já gostava dela, ela diz que é
mentira, nunca saberemos – e praticamente nunca mais saíram de lá.
Então acabei crescendo como se a PUC fosse uma mistura de quintal de
casa, de parente próximo, de presença intermitente. A PUC sempre
foi assunto na mesa do almoço e um destino repetido no banco do
carro.
Meu irmão fugiu para a Unicamp, mas
minha irmã ficou na PUC e eu também. Fizemos durante anos aquele
caminho de todo dia: Nhambiquaras, República do Líbano, corta
caminho, cruza a Nove de Julho, sai na Brasil lá na frente, cruza a
Rebouças, Henrique Schaumann, Sumaré, sobe, passa o mercado
Pastorinho e vira à direita. Ano após ano, até cansar.
O problema é que o tempo passou e a PUC
deixou de ser essa tal de todo dia. E aí virou saudade. Saudade de
comer pastel na feira às terças, de tomar açaí sentada na escada
da prainha, de tomar cerveja na terceira aula em horários sem
cabimento, de comer aqueles sanduíches naturais muito caros do
quarto andar, saudade de afugentar pombas, de morrer de medo de ter
bicho no lanche do Centro Acadêmico, saudade de comer milho antes da
aula à noite, saudade de cometer o grave pecado de entrar na
biblioteca com uma garrafa de água escondida embaixo do casaco. A
PUC pertence àquela espécie que nunca vai ser bem um lugar. É, sei
lá eu, estado de espírito, destino, profundeza, amor, ódio,
ausência dolorida.
A PUC é personagem da história de quem
passa por ela, gostando ou não. É a lembrança de um cheiro de flor
misturado com maconha e croissant de presunto e queijo. É a visão
sincera da feiura do prédio novo (que já é velho) e do charme
decadente do prédio velho (que é mesmo muito velho). É um
emaranhado de rampas confusas e de lembranças que valem mais do que
o salgado preço das suas mensalidades.
E vale dizer: na biblioteca da PUC, se
você for à seção de dissertações, procurar a letra “M” e
for até Manus, vai se deparar com a do Pedro, a da Maria Eugenia e a
da Ruth. Uma ao lado da outra. Pedro é meu pai, Maria Eugenia é
minha mãe. Confesso que quando descobri isso fiquei com os olhos
cheios de lágrimas. Não tem jeito. Sou filha da PUC até nas
prateleiras. Que orgulho.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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