sábado, 8 de maio de 2021

Excelências

Que tal a Liza Minnelli, em Cabaret? Legal. Mas legal paca é a Twiggy no trailer do Namoradinho!
Assim se exprimem hoje as admirações, em linguagem criativa. Recuo mais de meio século, e ouço dizerem de Mabel Normand:
É o suco!
Qualificativo que, para definir o bom do bom, correu longamente o Brasil e chegou a merecer citação em discurso de Rui Barbosa. O próprio Rui era o suco, em matéria de eloquência e galhardia cívica, assim como Bromil era o suco em se tratando de combater a tosse.
Em tempos mais remotos, batizava-se deste modo o objeto da melhor qualidade:
É x.p.t.o. London.
London, com sílaba final abrasileirada. A princípio, segundo Castro Lopes, era marca de cobertor inglês, de muita cotação; depois, ficou sendo tudo que se recomendasse pelo acabamento esmerado. Pessoas mais respeitosas do vernáculo recorriam ao trivial da língua:
Superior.
Este superior, dito com entonação valorativa. Como o desvalorizado “ótimo”, em que o “ó” concentrava a ênfase do elogio, antes de ser batido irremediavelmente por estes dois poderosíssimos adjetivos:
Bacana!
Bacanérrimo!
Podemos extrair a certidão de idade de um desconhecido, se o virmos levar o polegar e o indicador da mão direita (salvo se for canhoto) ao lóbulo da orelha e exclamar:
É da pontinha.
Trata-se de um sujeito de cinquenta cajus, seguramente. Aos vinte aprendeu a relacionar a excelência de uma coisa ao pormenor auricular. Versão sintética:
Daqui, ó.
Bom à beça teve seus dias de consumo farto. Ainda circula por aí, meio fantasmal. Espécie mais rara, que só de longe adquire vida sonora:
Cutuba!
E seu primo exagerado, o cutubaço. E seu colateral, o batuta.
Podemos comparar a notas recolhidas de cinco mil-réis os louvores concretizados em “admirável”, “magnífico”, “excelente”, “estupendo”. Não valem mais nada. Que significa “soberbo” ou “sublime”? “Extraordinário” é menos que ordinário. “Esplêndido”, coitado.
Devia mexer com as fibras da elogiada o hino contido nesta expressão, que também a fait son temps:
É do balacobaco!
Gerações passadas, ao se extasiarem, valiam-se de “formidável”, “fenomenal”, “notável”, “notabilíssimo”, “o que há de bom”, “delícia”, “delicioso”, “de primeira ordem”. Para meu avô, o vinho de respeito era “supimpa”, e um erudito, seu comensal, acrescentava:
Nec plus ultra.
Divino” parece que enfraqueceu, pois foi necessário tonificá-lo com “divino maravilhoso”. E tem “infernal” como competidor.
É um sonho?” “É um sarro?” Antes era “um estouro”. Já foi “piramidal”. Se agora é “fora de série”, naqueles tempos era “incomparável” ou “inigualável”, “sem rival”. “O máximo”, “o maior” deram seus recados. “Espetacular” ainda resiste. “Genial”, de uso imoderado, prova que a genialidade é atributo de todos os brasileiros.
Conceda-se menção a “fantástico”, a “sensacional” e a “sensas”. Não sei se posso lembrar “lindo”, tão impróprio depois da entronização do feio como estilo de vida. “Bárbaro” já diz melhor o que a gente acha e não diz.
Certas coisas eram “o fino”, outras “uma gostosura”, “uma graça”, finalmente “uma coisa”.
Apesar de tudo que há de negativo no mundo atual, as excelências nos rodeiam e até nos perseguem. Se a vida é cara, não falta o “barato”, o “tremendo barato”, o “joia”, para compensar, pela contínua criação ou recriação verbal, o que não é nada disto. Viva a palavra! Ela não define apenas o objeto ou a sensação. Ela transforma, ela cria, ela inventa e colore a vida:
Chuchu beleza!

Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica

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