Gravura de Grauben do Monte Lima
...Que felicidade pura e suave. Tudo
nesta tarde estava ameno e leve como a brisa para preparar minha ida
à casa de Grauben. Enfeitei-me um pouco: queria estar bonita,
imitando de longe a natureza desta tarde. E lá fui eu com dois
livros na mão para dedicar à delicadíssima pintora. Depois entendi
que deveria ter levado papoulas, as mais lindas e variadas, e se
pudesse comprava uma borboleta viva para cheirar as flores.
E Grauben? Ela é a esperança dos que
temem a velhice. E o segredo é descobrir em si mesma a possibilidade
de uma ação criativa. Grauben tem 78 anos. Ela é enxutinha,
e tão bonitinha, e mexe-se com gestos hábeis e ágeis, anda com
mais leveza do que muita jovem. E seu rosto? É lindo: uma pele sem
mancha, a saúde se refletindo naqueles olhos alegres, o rosto
cor-de-rosa. Se esta é sua cor, ótimo. Se era um pouquinho de ruge,
melhor ainda. Eu que, mesmo sem motivo, sou um pouco melancólica, vi
que estava rindo e sorrindo e era a mais límpida homenagem à
pintora. Escolhi um quadro que tem tudo da Grauben: um grande pássaro
azul entre águia e pavão, uma enorme borboleta, uma flor toda
aberta, plantas e todos os pontilhados que ela usa como fundo do
quadro e que dão a impressão de uma moita de alegria. Nós duas
queríamos nos conhecer mutuamente. Lamento apenas ter provavelmente
ar de boba, sorrindo à toa. Sua filha Eunice Catunda é concertista.
Passamos para o seu apartamento ao lado e ela tocou para mim. Toda eu
era um coração batendo de emoção. Os sons que saíam de seus
dedos eram tão puros e sonoros e límpidos. Eu estava séria de
prazer. Eunice já tocou como solista no Carnegie Hall e em setembro
irá de novo se apresentar na mesma sala de concertos onde só os
grandes entram. “Eu me divirto com meus filhos: são tão
inteligentes e capazes. Eunice, por exemplo, além dos concertos por
tantos lugares do mundo, tem jeito para tudo: se faz pintura, faz
ótima, se cozinha a comida é perfeita, ela sabe fazer tudo.”
Grauben não perde nada deste mundo. Ela é pra frente. Sua
casa de súbito para mim parece um bosque encantado, úmido, denso,
rico com todas as invisíveis folhas verdes e transparentes. E eis-me
agora com uma Grauben em casa. Quem não tem jamais saberá o
que perde. E o preço dos quadros é perfeitamente acessível a um
enorme número de pessoas. Grauben me deu uma fotografia sua
segurando exatamente o meu quadro. E atrás da fotografia –
desculpem, mas a alegria me faz perder por um instante a modéstia
objetiva com que vivo – atrás da fotografia escreveu: “À grande
Clarice, obrigada por conhecê-la, a desde já grande amiga.”
Assinado o nome mais deleitoso entre nossas pintoras: Grauben.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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