Assim que chegou a Paris, foi cortar o
cabelo – coisa que não tivera tempo de fazer ao sair do Rio. O
barbeiro, como os de toda parte, procurou logo puxar conversa:
– Eu tenho aqui uma dúvida, que o
senhor podia me esclarecer.
– Pois não.
– Eu estava pensando... A Turquia tomou
parte na última guerra?
– Parte ativa, propriamente, não. Mas
de certa maneira esteve envolvida, como os outros países. Por quê?
– Por nada, eu estava pensando... A
situação política lá é meio complicada, não?
Seu forte não era a Turquia. Em todo
caso respondeu:
– Bem, a Turquia, devido a sua situação
geográfica... Posição estratégica, não é isso mesmo? O senhor
sabe, o Oriente Médio...
O barbeiro pareceu satisfeito e calou-se,
ficou pensando.
Alguns dias depois ele voltou para cortar
novamente o cabelo. Ainda não se havia instalado na cadeira, o
barbeiro começou:
– Os ingleses devem ter muito interesse
na Turquia, não?
Que diabo, esse sujeito vive com a
Turquia na cabeça – pensou. Mas não custava ser amável – além
do mais, ia praticando o seu francês:
– Devem ter. Mas têm interesse mesmo é
no Egito. O canal de Suez.
– E o clima lá?
– Onde? No Egito?
– Na Turquia.
Antes de voltar pela terceira vez, por
via das dúvidas procurou informar-se com um conterrâneo seu,
diplomata em Paris e que já servira na Turquia.
– Dessa vez eu entupo o homem com
Turquia – decidiu-se.
Não esperou muito para que o barbeiro
abordasse seu assunto predileto:
– Diga-me uma coisa, e me perdoe a
ignorância: a capital da Turquia é Constantinopla ou Sófia?
– Nem Constantinopla nem Sófia: é
Âncara.
E despejou no barbeiro tudo que aprendera
com seu amigo sobre a Turquia. Nem assim o homem se deu por
satisfeito, pois na vez seguinte foi começando por perguntar:
– O senhor conhece muitos turcos aqui
em Paris?
Era demais:
– Não, não conheço nenhum. Mas agora
chegou a minha vez de perguntar: por que diabo o senhor tem tanto
interesse na Turquia?
– Estou apenas sendo amável – tornou
o barbeiro, melindrado. – Mesmo porque conheço outros turcos além
do senhor.
– Além de mim? Quem lhe disse que sou
turco? Sou brasileiro, essa é boa.
– Brasileiro? – e o barbeiro o olhou,
desconsolado. – Quem diria! Eu seria capaz de jurar que o senhor
era turco...
Mas não perdeu tempo:
– O Brasil fica é na América do Sul,
não é isso mesmo?
Fernando Sabino, in Fernando Sabino na sala de aula
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