sábado, 10 de abril de 2021

Enterrem os sinos

O assovio dos mísseis ainda soa nos ouvidos,
as cores continuam se desatando em nuvens
se fecho os olhos.

Cavo um túnel, não durmo,
esgoto ou escada qualquer intestino
que me leve

à tua infância ao grito
à água parada do teu pesadelo para quebrar a noite
ao meio

para fugirmos. Sem poder caminhar sobre a água,
levanto esta ponte; mas sei que o certo era
caminhar sobre

o teu coração e
milagre — de repente
afundar.

Deste ponto, posso avistar o verão de um ano atrás,
ou dois, parece ontem, que entranhou nos teus cabelos
ainda úmidos da chuva pesada

de perfumes. Queria, daqui
do alto, poder tocar o sábado daqueles dias
sem soldados. No aço

apressado e sujo que vai em retalhos
iguais cortando horas semanas, vejo
refletir-se

em pleno salto o fogo o tigre
o louva-a-deus da tua juventude;
não sei de onde vem

e o seu destino,
mas há tempo para que eu me ponha na ponta, nos ombros,
nos escombros de uma velha torre

e assista ao percurso do teu sorriso, nítido,
que logo se confunde com a luz, última visão antes de a noite
cair.

Eucanaã Ferraz

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