Muito discutiu a antiguidade em torno do
supremo bem. Que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar que é
o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo,
etc.
Cada um põe a felicidade onde pode, e
quanto pode ao seu gosto.
Quid dem? quid non dem? Renuis tu quod
jubet alter…
Castor gaudet equis; ovo prognatus
eodem pugnis…
(Horácio, Epigr., II, ii, Sat., II, i.).
Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto
de polarizar-nos toda a sensibilidade, assim como mal supremo é
aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da
natureza humana. Esses dois momentos são curtos.
Não existem deleites extremos nem
extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e
supremo mal são quimeras.
Conhecemos a bela fábula de Crântor,
que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a
Saúde e a Virtude.
Fortuna: – O sumo bem sou eu, pois
comigo tudo se obtém.
Volúpia: – Meu é o pomo, porquanto
não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: – Sem mim não há volúpia e a
riqueza seria inútil.
Virtude: – Acima da riqueza, da volúpia
e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode
haver infelicidade, se não há virtude.
Teve o pomo a Virtude.
A fábula é engenhosa, mas não solve o
problema absurdo do supremo bem. Virtude não é bem, senão dever.
Pertence a plano superior. Nada tem que ver com as sensações
dolorosas ou agradáveis. Com cálculos e gota, sem arrimo, sem
amigos, privado do necessário, perseguido, agrilhoado por um tirano
voluptuoso aboletado no fausto, o homem virtuoso é infelicíssimo, e
o perseguidor insolente que acaricia uma nova amante em seu leito de
púrpura, felicíssimo. Podeis dizer ser preferível o sábio
perseguido ao perseguidor impertinente. Podeis dizer amar a um e
detestar ao outro. Mas esquece-vos que le sage dans les fers
enrage. Se não concordar o sábio, engana-vos: é um charlatão.
Voltaire, in Dicionário Filosófico
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