O carro dobra a esquina e me vejo perdido
na confusão de sempre: em frente ao cinema Veneza, os que vão para
a esquerda estão à direita e os que vão para a direita estão à
esquerda. Dou por mim entrando no posto de gasolina junto à piscina
do Botafogo.
– Quantos litros?
Não, não quero gasolina: parei aqui por
imposição do tráfego. Mas acho que obedeci, antes a um impulso do
inconsciente: esta piscina sempre me intrigou. Uma construção
esquisita, abaulada como o costado de um navio, sem revestimento,
como uma obra inacabada – sempre que passo por aqui a caminho da
cidade me dá vontade de ir lá dentro. Ver os nadadores, ver como
vai indo a natação hoje em dia. Assistir talvez a uma competição
um dia desses.
– Como é que se vai lá dentro?
Orientado pelo empregado do posto,
conduzo o carro até o estacionamento debaixo da piscina. Uma piscina
suspensa. No meu tempo eu só podia conceber uma piscina como um
buraco cavado no chão e cheio d’água.
O encarregado da portaria me diz que
posso entrar à vontade. Pergunto pelo Sílvio Fiolo: seria bom
assistir ao treino de um campeão. Mas ele não está – em
compensação, Roberto Pavel deve chegar de uma hora para outra.
Subo os dois lances da rampa, o que não
dá para me tirar o fôlego. Eis a piscina. Bela como a projeção de
um slide, debruçada sobre a enseada, ao fundo do Pão de
Açúcar. Parece flutuar sobre a corrente de tráfego que me trouxe
até aqui. A água de um azul luminoso se agita com o movimento de
dezenas de nadadores nas raias dispostas em sentido transversal.
Alguns curiosos do mundo adulto, como eu – não serão
ex-nadadores, mas simplesmente pais ou acompanhantes – se espalham
na arquibancada, olhando distraidamente a meninada. Porque são todos
bem jovens, nadador começa cedo. E, de repente, este ar úmido, esta
atmosfera peculiar a todas as piscinas, este vago cheiro de cloro que
me vem como uma emanação da minha juventude.
Dia de competição: o ambiente festivo,
tenso de expectativa e emoção, longe da monotonia dos treinos e da
despreocupação dos dias comuns. Havia qualquer coisa de silício
naquela longa e obstinada mortificação do corpo para conquistar a
vitória. Ou era a simples vaidade humana de ser um animal veloz?
Participar de uma disputa a que ninguém nos obrigava, despender até
o fim e além do fim o que tivéssemos de energia para conquistar
alguns décimos de segundo – que ganhávamos com isso? Chegada a
nossa vez, caminhávamos para a borda da piscina como condenados para
o sacrifício. E no dia seguinte, passada a hora da provação, tudo
recomeçava – o esforço minucioso e tenaz para conseguir baixar
mais alguns décimos de segundo. Tudo isso para quê?
É o que a natação, como esporte, tem
de mais trágico: tudo isso para nada. Sair da terra firme, fazer da
água seu elemento e substância é para o nadador um desafio à sua
própria natureza. Daí a tendência dos ex-nadadores para a aviação.
Ou a fatalidade dos que morrem afogados.
Pavel é um ex-nadador de 34 anos, físico
de atleta, fisionomia jovem e limpa, dedicado como um missionário à
sua tarefa. Com dicção clara e elaborada, vai me explicando o que é
a natação hoje em dia. Suas ideias são bem formuladas, denunciando
excelente preparo em cursos especializados. Nada de noções
empíricas do meu tempo, em que cada nadador era para o técnico um
ser humano diferente, com maior ou menor jeito para o esporte. Fala
em biomecânica, em endurance, em interval training, em
método Cooper – não
confundir com o teste Cooper, é o método mesmo. Estou sabendo. E em
controle de pulsação cardíaca. Sei, sei. As emulações
motivadoras. O campo somático e o campo psíquico. Tudo isso em meio
à conversa, de maneira simples, despretensiosa e convincente. Estou
sabendo. Natação hoje é uma ciência.
– Sei, sei...
Fernando Sabino, in Fernando Sabino na sala de aula
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