sábado, 16 de janeiro de 2021

Segunda vez

          Não mais que os esperávamos, cada um tinha seu dia e hora, mas claro, sem pressa, fumando devagar, de quando em quando o negro López vinha com o café e então parávamos de trabalhar e comentávamos as novidades, quase sempre a mesma coisa, a visita do chefe, as mudanças em cima, as performances em San Isidro. Eles, claro, não podiam saber que estávamos esperando, o que se chama esperando, essas coisas deviam acontecer sem estardalhaço, ajam com calma, palavra do chefe, a cada momento ele repetia por via das dúvidas, vão piano piano, e depois era fácil, se desse algum galho não cobrariam de nós, os responsáveis estavam lá em cima e o chefe era a lei, fiquem calmos, rapazes, se houver problema aqui eu é que dou as caras, a única coisa que peço e que não se enganem de pessoa, primeiro a averiguação para não errar e depois podem agir.
Francamente não davam trabalho, o chefe tinha escolhido escritórios funcionais para que não se amontoassem, e nós os recebíamos um a um, como se deve, com todo o tempo necessário. Para gente educada como nós, cara, o chefe dizia volta e meia e era verdade, tudo sincronizado assim nas IBM, aqui se trabalhava com vaselina, nada de pressa nem de vão em frente. Tínhamos tempo para os cafezinhos e os palpites do domingo, e o chefe era o primeiro a vir buscar as barbadas que para isso o magro Bianchetti era propriamente um oráculo. Todos os dias era a mesma coisa, chegávamos com os jornais, o negro López trazia o primeiro café e logo começavam a aparecer para o trâmite. A convocação dizia isso, trâmite que lhe concerne, nós só aí esperando. Agora isso é verdade, mesmo que venha em papel amarelo, uma convocação sempre tem um ar sério; por isso María Elena a olhara muitas vezes em sua casa, o carimbo verde rodeando a assinatura ilegível e as indicações de data e lugar. No ônibus voltou a tirá-la da bolsa e deu corda ao relógio para mais segurança. Convocavam-na a um escritório da Rua Maza, era estranho que ali houvesse um ministério mas sua irmã dissera que estavam instalando escritórios em qualquer parte porquê os ministérios já estavam ficando pequenos, e logo que desceu do ônibus viu que devia ser verdade, o bairro não tinha nada de especial, com casas de três; ou quatro andares e sobretudo muito comércio atacadista, e até algumas árvores das poucas que sobravam na zona.
Pelo menos deve ter uma bandeira”, pensou María Elena ao se aproximar da quadra setecentos, pensando bem era como as embaixadas que estavam nos bairros residenciais mas se distinguiam de longe pelo pano colorido em alguma sacada. Embora o número figurasse bem claro na convocação, surpreendeu-a não ver a bandeira nacional e por um momento ficou na esquina (era muito cedo, podia fazer hora) e sem nenhuma razão perguntou na banca de jornais se nessa quadra ficava a Direção.
Claro que sim — disse o homem —, ali, na metade da quadra, mas por que não espera um pouquinho para me fazer companhia, veja como estou sozinho.
Na volta — sorriu María Elena caminhando sem pressa e consultando uma vez mais o papel amarelo. Quase não havia trêfego nem gente, um gato diante de um armazém e uma gorda com uma menina que saiam de um saguão. Os poucos carros estavam estacionados na altura da Direção, quase todos com alguém ao volante, lendo jornal ou fumando. A entrada era estreita como todas na quadra, com um saguão de ladrilhos e a escada ao fundo; a placa na porta parecia apenas a de um médico ou um dentista, suja e com um papel colado na parte de baixo para cobrir algumas inscrições. Era estranho que não tivesse elevador, um terceiro andar e precisar subir a pé com esse papel tão sério, carimbo verde, a assinatura e tudo mais.
A porta do terceiro andar estava fechada e não se via nem campainha nem placa. María Elena experimentou o trinco e a porta se abriu sem ruído: a fumaça do fumo chegou-lhe antes dos ladrilhos esverdeados do corredor e os bancos dos dois lados com gente sentada. Não eram muitos, mas com essa fumaça e o corredor tão estreito parecia que se tocavam com os joelhos, as duas anciãs, o careca e o rapaz de gravata verde. Era certo que tinham estado falando para matar o tempo, bem ao abrir a porta María Elena alcançou um final de frase de uma das senhoras, mas como sempre ficaram calados de repente olhando a que chegava por último, e também como sempre e sentindo-se muito boba María Elena ficou vermelha e mal lhe saiu a voz para dizer bom-dia e permanecer de pé ao lado da porta até que o rapaz lhe fez um sinal, mostrando o banco vazio a seu lado justamente quando se sentava, agradecendo, a porta da outra extremidade do corredor se abriu para deixar sair um homem de cabelo vermelho que abriu caminho entre os joelhos dos outros sem se preocupar em pedir licença e o funcionário manteve a porta aberta com um pé até que uma das senhoras se levantou com dificuldade e desculpando-se passou entre María Elena e o careca; a porta da saída e a do escritório se fecharam quase ao mesmo tempo, e os que ficavam começaram de novo a falar, esticando-se um pouco nos bancos que rangiam.
Cada um tinha seu assunto, como sempre, o careca a lentidão dos trâmites, se é assim na primeira vez que é que se pode esperar, me diga, mais de meia hora para, quando muito, o que, só umas quatro perguntas e tchau, pelo menos é o que imagino.
Não acredite nisso — disse o rapaz da gravata verde —, eu é a segunda vez e garanto que não é tão rápido, até que copiem tudo a máquina e então a gente não se lembra bem de uma data, essas coisas, no final demora bastante.
O careca e a anciã ouviam-no interessados porque para eles era evidentemente a primeira vez, a mesma coisa com María Elena, embora não se sentisse com direito de entrar na conversa. O careca queria saber quanto tempo passava entre a primeira e a segunda convocação, e o rapaz explicou que em seu caso tinha sido coisa de três dias. Mas por que duas convocações? quis perguntar María Elena, e outra vez sentiu que o vermelho lhe subia ao rosto, então esperou que alguém falasse com ela e lhe desse confiança, que a deixasse integrar-se ao grupo, não ser mais a última. A anciã tirara um vidrinho talvez de sais e o cheirava suspirando. Tanta fumaça podia estar incomodando e o rapaz se ofereceu para apagar o cigarro e o careca disse claro, esse corredor era uma vergonha, era melhor apagarem os cigarros se se sentia mal, mas a senhora disse que não, um pouco de cansaço só, passava em seguida, em sua casa o marido e os filhos fumavam o tempo todo, quase não noto. María Elena que também tivera vontade de tirar um cigarro viu que os homens apagavam os seus, que o rapaz o esmagava com a sola do sapato, sempre se fuma demais quando se tem que esperar, na outra vez tinha sido pior porque havia sete ou oito pessoas antes dele, e no fim não se via mais nada no corredor de tanta fumaça.
A vida é uma sala de espera — disse o careca, pisando no cigarro com muito cuidado e olhando as próprias mãos como se já não soubesse o que fazer com elas, e a anciã suspirou uma concordância, de muitos anos e guardou o vidrinho quando a porta do fundo se abria e a outra senhora saia com esse ar que todos lhe invejaram, o bom-dia quase compadecido ao chegar a porta de saída. Mas então não demorava tanto, pensou María Elena, três pessoas antes dela, calculemos três quartos de hora, claro que em uma dessas o trâmite se fazia mais demorado com alguns, o rapaz já estivera ali uma primeira vez e o dissera. Quando, porém, o careca entrou no escritório, María Elena animou-se a perguntar para ter mais certeza, e o rapaz ficou pensando e depois disse que na primeira vez alguns tinham demorado muito e outros menos, nunca se podia saber. A anciã chamou a atenção para o fato de que a outra senhora tinha saído quase em seguida, mas o senhor de cabelo vermelho tinha demorado uma eternidade.
Ainda bem que agora somos poucos — disse María Elena —, esses lugares deprimem.
É preciso encarar essas coisas com filosofia — disse o rapaz —, não se esqueça que precisara voltar, assim é melhor que fique tranquila. Quando vim pela primeira vez não tinha ninguém com quem falar, éramos uma porção, mas não sei, não se comunicavam, e em compensação hoje, desde que cheguei, o tempo passa depressa porque a gente troca ideias.
María Elena gostou de continuar conversando com o rapaz e a senhora quase não sentiu passar o tempo até que o careca saiu e a senhora se levantou com uma rapidez que os outros não teriam imaginado em sua idade, a coitada queria acabar depressa com os trâmites.
Bem, agora nós — disse o rapaz. — Não a incomoda se fumo um cigarrinho? Não aguento mais, mas aquela senhora parecia tão perturbada...
Eu também estou com vontade de fumar.
Aceitou o cigarro que ele lhe oferecia e se disseram os nomes, onde trabalhavam, sentiam-se bem em trocar impressões esquecendo-se do corredor, do silêncio que, por momentos, parecia demasiado, como se as ruas e as pessoas estivessem muito longe. María Elena também tinha morado em Floresta mas quando menina, agora morava em Constitución. Carlos não gostava desse bairro, preferia o oeste, melhor ar, as árvores. Seu ideal teria sido viver em Villa del Parque, quando casar talvez alugue um apartamento por aqueles lados, o futuro sogro tinha prometido ajudá-lo, era uma pessoa com muitas relações e com uma dessas talvez conseguisse algo.
Eu não sei por que, mas alguma coisa me diz que vou viver toda a minha vida em Constitución — disse María Elena. — Não é tão ruim, apesar de tudo. E se alguma vez...
Viu abrir-se a porta do fundo e olhou quase surpreendida o rapaz que lhe sorria ao se levantar, está vendo como o tempo passou conversando, a senhora despedia-se deles amavelmente, parecia tão contente por ir embora, todo mundo tinha um ar mais jovem e mais ágil ao sair, como se lhes tivessem tirado um peso de cima, o trâmite acabado, uma diligência a menos e lá fora a rua, os cafés onde talvez entrariam para tomar um trago ou um chá e se sentirem realmente do outro lado da sala de espera e dos formulários. Agora o tempo se tornaria mais longo para María Elena sozinha, embora se tudo continuasse assim Carlos sairia logo, mas numa dessas demorava mais que os outros porque era a segunda vez e sabe-se lá que trâmites teria.
Quase não compreendeu no princípio quando viu abrir-se a porta e o funcionário a olhou e fez um gesto com a cabeça para que passasse. Pensou então que era assim mesmo, que Carlos precisaria ficar mais tempo enchendo papéis e que, enquanto isso, se ocupariam dela. Cumprimentou o funcionário e entrou no escritório; mal tinha passado a porta quando outro funcionário lhe mostrou uma cadeira diante de uma escrivaninha negra. Havia vários funcionários no escritório, só homens, mas não viu Carlos. Do outro lado da escrivaninha um funcionário de cara doentia olhava uma planilha; sem levantar os olhos estendeu a mão e María Elena custou a compreender que lhe pedia a convocação, de repente entendeu e a procurou um pouco distraída, murmurando desculpas, tirou duas ou três coisas da bolsa até encontrar o papel amarelo.
Vá preenchendo isto — disse o funcionário, passando-lhe um formulário. — Com letra de imprensa, bem claro.
Eram as tolices de sempre, nome e sobrenome, idade, sexo, domicílio. Entre duas palavras María Elena sentiu como se algo a incomodasse, algo que não estava de todo claro. Não na planilha, fácil de preencher os vazios: algo fora, algo que faltava ou não estava em seu lugar. Parou de escrever e olhou ao redor, as outras mesas com os funcionários trabalhando ou falando entre si, as paredes sujas com cartazes e fotografias, as duas janelas, a porta por onde entrara, a única porta do escritório. Profissão, e ao lado a linha pontilhada; automaticamente preencheu o vazio. A única porta do escritório, mas Carlos não estava ali. Tempo de serviço. Com maiúsculas, bem claro.
Quando assinou embaixo, o funcionário olhava-a como se tivesse demorado demais a preencher a planilha. Estudou um momento o papel, não encontrou erros e o guardou em uma carpeta. O resto foram perguntas, algumas inúteis porque ela já as havia respondido na planilha, mas também sobre a família, as mudanças de residência nos últimos anos, os seguros, se viajava com frequência e para onde, se havia tirado passaporte ou pensava tirá-lo. Ninguém parecia preocupar-se muito com as respostas, e de qualquer modo o funcionário não as anotava. Bruscamente disse a María Elena que podia sair e que voltasse três dias depois às onze; não precisava convocação por escrito, mas que não esquecesse.
Sim, senhor — disse María Elena levantando-se —, então na quinta-feira às onze.
Passe bem — disse o funcionário sem olhar para ela.
No corredor não havia ninguém, e percorrê-lo foi, como para todos os outros, um apressar-se, um respirar aliviado, uma vontade de chegar à rua e deixar tudo aquilo para trás. María Elena abriu a porta da saída e, começando a descer as escadas, pensou em Carlos, era estranho que Carlos não tivesse saído como os outros. Era estranho porque o escritório tinha apenas uma porta, claro que às vezes não se repara bem, porque isso não podia ser, o funcionário abrira a porta para que ela entrasse e Carlos não passara por ela, não saíra primeiro como todos os outros, o homem de cabelo vermelho, as senhoras, todos menos Carlos.
O sol estatelava-se contra a calçada, era o ruído e o ar da rua; María Elena deu uns passos e ficou parada ao lado de uma árvore, em um lugar onde não havia carros estacionados. Olhou para a porta da casa, disse a si mesma que esperaria um momento para ver Carlos sair. Não podia ser que Carlos não saísse, todos tinham saído ao terminar o trâmite. Pensou que talvez ele se demorasse porque era o único que viera pela segunda vez; sabe-se lá, talvez fosse isso. Parecia muito estranho não tê-lo visto no escritório embora pudesse haver ali uma porta dissimulada pelos cartazes, algo que não notara, mas assim mesmo era estranho porque todo mundo tinha saído pelo corredor como ela, todos os que tinham vindo pela primeira vez saíram, pelo corredor.
Antes de seguir caminho (esperara um momento, mas não podia mais continuar assim) pensou que precisaria voltar na quinta-feira. Talvez então as coisas mudassem e a fizessem sair pelo outro lado embora não soubesse por onde nem por que. Ela não, claro, mas nós sim sabíamos, nós a estaríamos esperando, a ela e aos outros, fumando devagarinho e conversando enquanto o negro López preparava outro dos tantos cafés da manhã.

Julio Cortázar, in Alguém que anda por aí

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