Dona Quitéria, com suor a lhe manchar as
vestes, mexia lentamente o doce que estava preparando no velho tacho
de cobre. A mulher, gorda e retaca, exibia uma cara simpática de
sorriso fácil.
As mãos de dedos curtos eram hábeis na
arte de preparar alimentos. Ninguém por aquelas bandas era mais
requisitado para ajudar nos festejos de casamento, nos aniversários,
nas surpresas ou nas marcações festivas.
Escutou barulhos na mangueira. Pisadas de
cavalo no chão duro dos palanques. Tentava adivinhar qual dos seus
estava chegando. Os passos pararam na porta da casita humilde. O dono
deles bateu com as botas no chão, para que caísse o barro e o pasto
preso aos tacos das botas. Quitéria soube que era seu marido quem
chegava.
— Como le vá, minha prenda? —
perguntou Índio Feio, com a voz grave e baixa, como se brotasse
direto do peito e não da garganta.
— Gorda, linda e sã de lombo. Sentes o
cheiro?
— Mas claro! Ainda não fiz meu
banho... Arriá!
O riso alto e franco da esposa fazia com
que a face sisuda do marido parecesse mais leve. Surgiu um risco de
sorriso naquela cara sempre sóbria. O homem tirou a bandana da
cabeça, revelando os cabelos negros e lisos, e a cara com poucos
fios de barba, nada mais que uma penugem. Ninguém arriscaria
adivinhar sua idade.
— Não entendi a piada, mulher!
— O riso é porque perguntei do cheiro
do doce. Mas vai lá preparar teu banho, tem água na pipa, ali nos
fundos.
O homem encheu a gamela, atirou as roupas
no canto da sala e entrou no banho, sentindo, com prazer, o frescor
da água salobra. Dona Quitéria admirava o marido enquanto seguia
seu trabalho. Lembrava como se fosse ontem, quando o domador passara
pela estância onde ela ajudava na cozinha. Diziam que ele andava por
aquelas bandas fugido, teria matado uns dois ou três lá pelos
campos das tais Missões. Nunca perguntou, não importava. Quando ele
entregara a tropilha, ela se foi embora junto, na garupa de seu
cavalo.
Escutou, ao longe, o assobio do filho que
desencilhava o potro. Logo, Antônio estava por ali:
— Buenas, mãe... Pai...
— Que passou que vem pra casa
assobiando? — indagou a mãe com olhos perscrutadores.
— Nada. — respondeu Antônio.
— Tira as botas, busca a vassoura no
galpão e me limpa essa sujeirada que fizesse. Já limpei a casa
hoje!
— Está certo, mãe. Pai, o senhor viu
que o colorado do velho Amâncio tá com sangue no mandrilho? Não tá
com bicheira?
O homem abriu lentamente os olhos e
perguntou, sério:
— Se viu sangue, por que já não
examinou se tinha bicheira?
— Querendo, vejo agora, pai.
— Não precisa. Já vi e já benzi.
Amanhã a ferida tá seca e os bichos terão caído. Não tinha
muitos — encarou o filho . — Dá próxima vez vai direto ver se
tem bicho. Não pode facilitar, meu filho. E o bragado? Tá pronto?
Conversaram até a lua estar postada bem
alta no céu. Antônio estava distraído. Não conseguia espantar da
cabeça a menina do arroio.
Qual era o nome dela mesmo?
Esquecera de perguntar.
R. Tavares, in Andarilhos
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