Sexo não se assuste. É só uma maneira,
curta e grossa, de vibrar bom jornalismo e ir direto ao assunto.
Sexo. Eu acabei de ler as cartas de James Joyce para a mulher, no
volume de Cem Melhores Histórias Eróticas da Literatura
Universal e ele só pensava nisso. Vi, tardiamente,
“Irreversível”, de Gaspar Noé, e lá estavam elas, em seu
estado mais sublime, as quatro letrinhas que molham. Sexo. Achei que
eram desculpas suficientes para introduzir, colocar, inserir, ir com
tudo, cutucar, partir pra dentro, botar a língua num assunto que,
gritando sempre tão alto, roubou todos esses verbos para seu uso
exclusivo. Sexo. Com muito duplo sentido. Deixa, por favor, deixa eu
também meter o dedo nessa ferida. Segura só.
Tenho, por necessidade profissional,
assinatura do canal Sexy Hot e confesso que ele não só já me
ajudou no trabalho solitário de escrever artigos sobre televisão e
o to be or not to be da existência como também me
proporcionou, em noites agitadas, chegar mais rápido ao gozo supremo
de fechar os olhos e, loucura loucura, dormir bem gostoso. A
assinatura custa uma mixaria ao mês e não cria a dependência
química dos remédios. Recomendo.
Ver no Sexy Hot um casal depois do outro,
geralmente por trás do outro, recitando ao infinito aquele mantra de
“aaaaaaahhhh” e “uuhhhhhhh”, copulando segundo as normas do
erotismo pornô, ver um programa desses é uma das mais eficientes
versões modernas para o velho hábito de contar carneirinhos. Não
tem erro. Dorme-se muuuiiito.
Sexo, sem querer pegar carona na poesia
jaboriana de que amor é pagão, sexo é invasão, eu diria que sexo,
se é que eu estou ligando o nome à pessoa, sexo, se não me falha a
memória, é coisa que eu nunca vi passar no Sexy Hot.
Pode ser que os casais dos filmes me
esperem dormir para, aí sim, adentrarem no melhor do sexo, que é
quando rola a grande sacanagem – a saliência da intimidade. Acho
pouco provável. Acho, e quem acha tanto acaba se perdendo, que
quando eu durmo eles correm é para fazer o mesmo, cansados da
repetição daquela aeróbica truculenta. Em alguns momentos são tão
repetitivos que eu já jurei ter visto um rapaz fazer nos seios de
uma moça o mesmo gesto do operário do Chaplin, em “Tempos
modernos”, torcendo pela milésima e triste mecânica vez os
parafusos da máquina. Se eu fosse crítico de cinema poderia ver ali
um sinal de metalinguagem. Mas o problema do pornô é justo esse.
Mete-se tudo, menos linguagem.
Amor é inverno, sexo é tanta coisa e
apenas mais um motivo para se passar um óleo de amêndoa no assunto,
virá-lo de ponta-cabeça e sugerir que, devagarinho, pelas costas do
Sexy Hot, se vá até a locadora e pegue um DVD de “Irreversível”.
O filme, na maior parte do tempo uma experiência radical de câmera
e violência, traz no seu umbigo, como contraponto de felicidade, uma
das mais bonitas cenas de sexo da história do cinema.
Amor pode ser livro, mas sexo não é uma
aula de educação física, como quer o Sexy Hot. Sexo, se tivesse
uma cadeira, e é sempre bom que tenha uma por perto, não seria
Anatomia. Sexo é Diplomacia. Se é que, desculpem, começo a cantar
uma marchinha antiga de carnaval, estamos falando do mesmo gentil e
determinado canudo.
Eu não sabia, foi a cinéfila cubista do
Estação quem me contou e nela boto tudo que é malícia, picardia e
fé: o casal rolando na cama de “Irreversível”, cuspindo com
carinho as mais torpes fantasias do sexo oral na orelha do outro, é
casado na vida real. Faz sentido. Nada daqueles esgares ridículos
que mais parecem Jason, o carniceiro, pegando de jeito Carrie, a
estranha. Nada de estocadas profundas e dolorosas. O chicote que
estala na pele do casal de “Irreversível”, e daí nasce o
erotismo da cena, a descoberta de novas zonas de prazer, uma diagonal
molhadinha conectada do lóbulo ao quarto gomo do frontal, o chicote
é o do verbo amoroso.
Os atores das pegadinhas do Sexy Hot dão
a impressão, embora as atrizes dêem muito mais que só a impressão,
que acabaram de se conhecer no estúdio. Não se beijam na boca no
intervalo, muito menos durante, das cinco posições repetidas em
todos os filmes. Confundem a relação com um festival de violência
física. Sexo entre desconhecidos, gente que chega ao orgasmo sem se
abraçar, é brochante. Mais triste, a língua está sempre no lugar
errado, é o sexo mudo desses atores pornôs. Os homens acham que o
“V” da vida é o Viagra. As mulheres acham que é vibrador. Eu já
desconfiava e agora, depois de “Irresistível”, depois de ler as
cartas de James Joyce para Nora, também não tenho mais dúvida e
vos digo. O “V” que estala vigor de vida no sexo é o vibra-verbo
dos amantes íntimos.
Você não precisa engolir pílula e
emporcalhar o fígado de azul, não precisa comprar pilha radioativa
e poluir o ecossistema. Basta jogar, dentro da orelha fria, como
ensinava o jovem poeta morto, segredos de liquidificador – e
agradecer a Deus pelo suco que vem, abre a boca que vem, desse
chacoalhar divino de frutas. James Joyce concorda. Distante da amada,
o escritor dirige-lhe em cartas palavras que recuperam o jogo amoroso
dos dois. Nada a ver com as experiências formais que ele andou
fazendo em Ulisses. Joyce enche a boca e a mão de Nora com o verbo
cru dos casais. Endurece o sussurro sem perder a ternura da intenção,
essa saliência subversiva que põe nexo, graça e rima no encontro
do côncavo e do convexo.
Joyce. sempre à frente de seu tempo, já
sabia. Falo sem fala não é sexo. É só Sexy Hot.
Joaquim Ferreira dos Santos, in Em busca do borogodó perdido
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