Penetrando mais e mais no coração da
zona de cruzeiro do Japão, o Pequod logo se viu ocupado com a
pescaria. Amiúde, com temperatura amena e agradável, por doze,
quinze, dezoito e vinte horas seguidas, os marinheiros atarefaram-se
nos botes, ora fazendo força, ora navegando à vela ou remando
perseverantes em busca de baleias, ou então, durante intervalos de
sessenta a setenta minutos, aguardando calmamente sua emergência;
ainda que sem muito êxito em seus esforços.
Em tais momentos, sob um sol brando;
flutuando o dia todo sobre ondas vagarosas e suaves; sentado em bote
leve como uma canoa de bétula; e tão sociavelmente se misturando às
próprias ondas macias que, como os gatos na lareira, ronronam ao
bater na amurada; são esses os momentos de quietude sonhadora,
quando, observando o fulgor e a beleza tranquila da pele do oceano,
qualquer um esquece do coração de tigre que palpita submerso; e não
quereria lembrar, em sã consciência, que essa pata de veludo
esconde uma garra impiedosa.
São esses os momentos quando, em seu
bote, o vagamundo dedica certo sentimento filial, íntimo, como que
terrestre, ao mar; que toma por campo florido; e o navio distante,
que mostra apenas o topo de seus mastros, parece avançar não
através do agitado rolar das ondas, mas através da grama alta de
uma pradaria ondulante: tal como os cavalos dos emigrantes do Oeste,
quando só mostram as orelhas eretas, enquanto seus corpos escondidos
abrem caminho pela assombrosa verdura.
Os longamente extensos vales virgens; o
azul discreto das colinas; e, sobre estes, o silêncio e o sussurro
insinuantes; você poderia jurar que crianças cansadas de brincar
jazem dormindo nessas solidões, em algum alegre mês de maio, quando
as flores dos bosques são colhidas. E tudo isso se mistura a seus
modos mais místicos; de tal modo que fato e fantasia, a meio caminho
reunidos, se interpenetram e formam uma totalidade compacta.
Tais cenas reconfortantes, embora
efêmeras, não deixaram de produzir um efeito, ainda que efêmero,
sobre Ahab. Mas, se essas secretas chaves douradas pareciam liberar
seus próprios tesouros dourados, sua voz sobre elas fez com que
perdessem o brilho.
“Oh, clareiras verdejantes! Oh,
intermináveis, sempiternas primaveras dessas paisagens da alma; em
vós, – embora já há muito esturricadas neste deserto mortal da
vida terrestre, – em vós, os homens podem rolar como potros no
trevo recente da manhã; e, por alguns instantes fugazes, sentir o
orvalho fresco da vida imortal por sobre eles. Quisera Deus que essas
abençoadas calmarias durassem! No entanto, os fios misturados e
enredados da vida são tecidos por textura e trama; calmarias
atravessadas por tempestades, uma tempestade para cada calmaria. Não
há progresso sem retrocesso nessa vida; não avançamos segundo
progressões fixas, com uma pausa no fim: – através do
encantamento inconsciente da infância, da fé imprudente da
meninice, da dúvida da adolescência (o destino comum), e então o
ceticismo, a descrença, descansando afinal no repouso meditativo do
Se da madureza. Mas, mal percorridos, recomeçamos os caminhos; e
somos crianças, meninos, homens, e eternos Ses. Onde fica o último
porto, de onde não mais zarparemos? Em que éter arrebatador navega
o mundo, de que os mais cansados jamais se cansarão? Onde se esconde
o pai da criança enjeitada? Nossas almas são como aqueles órfãos
cujas mães solteiras morrem ao trazê-los à vida: o segredo de
nossa paternidade jaz em seus túmulos e ali devemos descobri-lo.”
E nesse mesmo dia também, do costado de
seu bote, mergulhando os olhos pelas profundezas do mesmo mar
dourado, Starbuck murmurou:
“Encanto insondável, como amante
nenhum encontrou nos olhos da jovem esposa! – Não me fales das
fileiras de dentes dos teus tubarões, nem dos teus hábitos de
canibal raptor. Que a fé expulse o fato; que a imaginação expulse
a memória; olho para as profundezas e acredito.”
E Stubb, como um peixe, de escamas
cintilantes, pôs-se de pé nessa mesma luz dourada:
“Eu sou Stubb, e Stubb tem sua
história; mas aqui Stubb jura que foi sempre alegre!”
Herman Melville, in Moby Dick
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