É impossível falar sobre a história
única sem falar sobre poder. Existe uma palavra em igbo na qual
sempre penso quando considero as estruturas de poder no mundo: nkali.
É um substantivo que, em tradução livre, quer dizer “ser maior
do que outro”. Assim como o mundo econômico e político, as
histórias também são definidas pelo princípio de nkali:
como elas são contadas, quem as conta, quando são contadas e
quantas são contadas depende muito de poder.
O poder é a habilidade não apenas de
contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua
história definitiva. O poeta palestino Mourid Barghouti escreveu
que, se você quiser espoliar um povo, a maneira mais simples é
contar a história dele e começar com “em segundo lugar”. Comece
a história com as flechas dos indígenas americanos, e não com a
chegada dos britânicos, e a história será completamente diferente.
Comece a história com o fracasso do Estado africano, e não com a
criação colonial do Estado africano, e a história será
completamente diferente.
Há pouco tempo dei uma palestra numa
universidade e um aluno me disse que era uma grande pena que os
homens nigerianos fossem agressivos como o personagem do pai no meu
romance. Eu disse a ele que tinha acabado de ler um livro chamado O
psicopata americano e que achava que era uma grande pena que os
jovens americanos fossem assassinos em série.
Bem, obviamente eu disse isso num leve
ataque de irritação. Mas jamais teria me ocorrido pensar que, só
porque li um romance no qual o personagem era um assassino em série,
ele de alguma maneira representava todos os americanos. Não digo
isso porque me considero uma pessoa melhor do que esse aluno, mas
porque, graças ao poder econômico e cultural dos Estados Unidos,
tive acesso a muitas histórias sobre esse país. Já tinha lido
Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Não tinha uma história única
dos Estados Unidos.
Quando descobri, alguns anos atrás, que
se esperava que os escritores tivessem tido infâncias muito
infelizes para ser bem-sucedidos, comecei a pensar em como inventar
coisas horríveis que meus pais poderiam ter feito comigo. Mas a
verdade é que tive uma infância muito feliz, cheia de riso e amor,
numa família muito próxima.
Também tive avós que morreram em campos
de refugiados. Meu primo Polle morreu porque não recebeu tratamento
médico adequado. Um dos meus melhores amigos, Okoloma, morreu num
acidente de avião porque nossos caminhões de bombeiros não tinham
água. Minha infância transcorreu durante governos militares que
desvalorizavam a educação, de modo que às vezes meus pais não
recebiam seus salários. Então, quando eu era criança, vi a geleia
desaparecer da mesa do café, depois a margarina, depois o pão ficou
caro demais, depois o leite foi racionado. Acima de tudo, uma espécie
de medo político normalizado invadiu nossa vida.
Todas essas histórias me fazem quem eu
sou. Mas insistir só nas histórias negativas é simplificar minha
experiência e não olhar para as muitas outras histórias que me
formaram.
A história única cria estereótipos, e
o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que
são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única
história.
É claro que a África é um continente
repleto de catástrofes. Existem algumas enormes, como os estupros
aterradores no Congo, e outras deprimentes, como o fato de que 5 mil
pessoas se candidatam a uma vaga de emprego na Nigéria. Mas existem
outras histórias que não são sobre catástrofes, e é muito
importante, igualmente importante, falar sobre elas.
Chimamanda Ngozi Adichie, in O perigo de uma história única
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