sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Do corpo

Ainda que alma, corpo. Ruas que alargam palavras, palavras que alongam verbos, verbos que dinamitam segredos: do sótão ao porão, tudo finda em começos. Outros modos de dizer a mesma coisa. Quando o tempo é insuficiente para traduzir a espera subtrai-se de si mesmo, outras possibilidades de recambiar credos. O corpo é a órbita sentenciosa da alma. De sua tumultuária expressão, nascem os estilhaços bastardos da metáfora: tudo no tempo do corpo são pequenos nadas. Riso farto dos excessos, enchimento de fendas que na dissonância do espaço-tempo procura fundar os signos da maquinaria romantizada do eu-desaforado: aconchego estridente de vastas aliterações, tísicas metonímias, encharcados oxímoros tudo isso transliterado nas sinédoques e catacreses que parem simulacros de verdades. Um corpo, na lindeza de suas mentiras, é sempre uma tentativa de intervenção. Vale pelo voo, nunca pelo planejamento do voo: Ícaro com os seus sonhos descalços, com o seu olhar exausto de tanta terra – perante os esboços, nem sempre vale a pena tentar. Pedir indulgência, esmagalhar as intimidades, esplender em excessos, até alcançar, quem sabe, a cerração dos amores que, não satisfeitos, depõem suas armas nos fiapos triviais de alheios desejos. Um corpo, solto no tempo, é insubsistente, foge para bem ou para mal, das questões percutidas em mera acomodação de imagens – essa explosão de fantasmas.

R. Leontino Filho, in As ruas arejadas do verbo impuro

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