Lindaura, a recepcionista do analista de
Bagé – segundo ele, “mais prestimosa que mãe de noiva” –,
tem sempre uma chaleira com água quente pronta para o mate. O
analista gosta de oferecer chimarrão a seus pacientes e, como ele
diz, “charlar passando a cuia, que loucura não tem micróbio”.
Um dia entrou um paciente novo no consultório.
– Buenas, tchê – saudou o analista.
– Se abanque no más.
O moço deitou no divã coberto com um
pelego e o analista foi logo lhe alcançando a cuia com erva nova. O
moço observou:
– Cuia mais linda.
– Cosa mui especial. Me deu meu
primeiro paciente. O coronel Macedônio, lá pras banda de Lavras.
– A troco de quê? – quis saber o
moço, chupando a bomba.
– Pues tava variando, pensando que era
metade homem e metade cavalo. Curei o animal.
– Oigalê.
– Ele até que não se importava, pues
poupava montaria. A família é que encrencou com a bosta dentro de
casa.
– A la putcha.
O moço deu outra chupada, depois
examinou a cuia com mais cuidado.
– Curtida barbaridade.
– Também. Mais usada que pronome
oblíquo em conversa de professor.
– Oigatê.
E a todas estas o moço não devolvia a
cuia. O analista perguntou:
– Mas o que é que lhe traz aqui, índio
velho?
– É esta mania que eu tenho, doutor.
– Pos desembuche.
– Gosto de roubar as coisas.
– Sim.
Era cleptomania. O paciente continuou a
falar, mas o analista não ouvia mais. Estava de olho na sua cuia.
– Passa – disse o analista.
– Não passa, doutor. Tenho esta mania
desde piá.
– Passa a cuia.
– O senhor pode me curar, doutor?
– Primero devolve a cuia.
O moço devolveu. Daí para diante, só o
analista tomou chimarrão. E cada vez que o paciente estendia o braço
para receber a cuia de volta, ganhava um tapa na mão.
Luís Fernando Veríssimo, in O analista de Bagé
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