quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Vida e morte de Antônio Neto - I

          Os Contreras sofreram na vida como poucos. Já não são mais tão pobres, mas o pouco que têm conquistaram à base de muito trabalho e suor. Erram, como todos, mas agem de acordo com suas convicções. Lauro Contreras acabou se precipitando nalgumas atitudes e pagou caro por isso.
Ninguém o conheceu tão bem quanto seu mentor e padrinho, o senhor Aparício da Silva Bueno. Talvez nem o próprio Lauro venha a entender a sua história tão bem quanto este homem, dono dos campos onde ele ergueu seu rancho.
Lauro Contreras apareceu na Estância do Silêncio quando sua mãe, Pitanga, uma mulata com pouco mais de vinte anos, foi contratada para ser cozinheira do lugar. Ela chegou somente com a roupa do corpo e o menino de cinco anos pelas mãos.
Dona Amélia, senhora da casa, achou a moça muito nova e bonita para trabalhar na estância. Mas já estava decidido. Restou à mulher apenas assentir ao desejo do marido.
O fato é que o guri era muito esperto e logo passou a ser chamado de afilhado pelos patrões, que lhe dedicavam especial atenção. Aparício Bueno tivera três filhas, mas jamais aceitara o fato de sua esposa não ter lhe dado um filho macho. Assim, Lauro virou um filho de estimação ou coisa parecida:
Guri, vai lá na cozinha e me trás um chimarrão. — ordenava Aparício, do alto de seus um metro e oitenta. O menino, de pernas finas, corria para agradar ao homem que, pensativo, analisava-o.
Anos antes, conhecera por acaso a mulata Pitanga, e a rapariga não tinha nem completado dezesseis anos. Passava por um rancho de beira de estrada e viu aquela morena, de corpo rijo e seios provocadores, que pareciam querer rasgar o tecido do vestido simples, a encará-lo, enquanto cuidava para ver se ninguém se aproximava.
Buenas, moça.
Ela não respondeu.
Posso apear?
Mais uma vez se fez o silêncio. Aparício apeou do cavalo e investiu contra a jovem, já não se aguentando de tanto desejo. O beijo foi correspondido, e os dois foram cegos para dentro da casa. No caminho, deixaram a porta aberta, as roupas no chão e foram logo se atirando à cama da jovem.
Aparício e Pitanga entregaram-se ao desejo inocente e avassalador que tomou conta dos dois naquela noite. Adormeceram abraçados. Quando ela acordou, o nariz do homem passeava pelo seu corpo, sentindo seus cheiros e acariciando sua carne.
Onde estão teus pais?
Meu pai é morto. Minha mãe está numa parente. Deve chegar logo — respondeu, com sua voz rouca e aveludada.
Encarou aqueles olhos pretos e passou as mãos pelos cabelos crespos da menina. Puxou-a ao seu encontro e fez amor com ela mais uma vez, com uma raiva que não sabia explicar de onde. Pitanga aceitava a tudo submissa, entregue às suas paixões e desejos íntimos.
Aparício da Silva Bueno vestiu suas roupas, atirou alguns trocados para a menina e montou no seu cavalo.
Daqui uns dias eu volto, morocha — disse isso e foi embora.
Sequer olhou para trás. Mal sabia ele que amaria aquela menina até o fim de seus dias.
Teu mate, padrinho. — escutou a voz do menino e parou com seus devaneios.
Lauro oferecia-lhe o mate. E não era fato que aquele guri era bem parecido com ele? Pensando nisso, acariciou a cabeleira da criança e voltou para seus afazeres.

R. Tavares, in Andarilhos

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