Quando as quero, do jeito que as quero, escrevo-as, domando-as e sendo por elas domado: leão com o chicote de domador entre os dentes, fera que não se deixa domar, palavras que a noite açoita sem escrúpulos, que o dia sorve sem malícias e que a tarde, bem, a tarde, tudo cai na normalidade das coisas da tarde, ainda assim, nunca é tarde para se querer aquilo que as estações estão sempre sonegando às próximas penitências da carne, e toda carne é palavra lavrada em submersa vontade da alma, essa espécie de corpo desossado pelas horas pretéritas que o futuro, em insana fúria, soterrou. Palavras, quantas andam por aí, de boca em boca, de mão em mão, de folha em folha, árvore esculpida em brancas páginas de longas quimeras. Quantas ainda quero, se mal elas chegam, já pensam em partir, dominá-las, quem ousaria, se na amplitude do desejo arrebentam as comportas de tudo quanto se pode aguentar: palavras, sei, convicto, que as quero em cada momento do dia, seja tarde seja noite, são sempre palavras desejadas, como verbo, elemento ancestral do muito querer.
R. Leontino Filho, in As ruas arejadas do verbo impuro
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