É impressionante como uma criatura tão
pequena, invisível a olho nu, tem a capacidade de paralisar o
planeta. Algo que só se conhecia do passado ou por meio de
fantasias, de distopias científicas agora faz parte da nossa
realidade.
Sempre se sai mudado de um estado de
anomalia: passamos a repensar se essa rotina acelerada é mesmo
necessária, se todo mundo precisa sair de casa e voltar no mesmo
horário, se estamos fazendo bem ou muito mal para o planeta. Se não
podemos ser mais flexíveis, menos congestionados, menos poluidores.
Ficar em casa é reinventar a rotina, se
descobrir como uma pessoa estrangeira. Eu me conheço como uma pessoa
que acorda de manhã, sai para correr, vai para o trabalho, vai para
outro lugar e chega em casa exausta. Agora, preciso me reinventar
numa temporalidade diferente. É um movimento interior de
redescoberta.
Mas como dizia Montaigne: “A humanidade
é vária”. Nem todos estão passando por isso da mesma maneira. Há
grandes diferenças, a depender de raça, classe, gênero. Nós,
mulheres, por exemplo, temos um conhecimento distinto dos homens
quanto ao cuidado com a casa. Não há nada de biológico nessa
constatação; essa é uma função que nos foi impingida histórica
e culturalmente de modo a parecer “natural”; o que não é. Há
vários relatos de maridos que não imaginavam que os afazeres
domésticos dessem todo esse trabalho, que não se davam conta do
tempo que tomavam, o que evidencia uma divisão do trabalho
internalizada e invisível.
Os séculos XX e XXI são e serão da
revolução feminista, como já vai ficando claro. As mulheres não
vão voltar atrás. Quem sabe possamos aprender com a experiência
das várias mulheres dirigentes de nações, como é o caso de Nova
Zelândia, Islândia, Finlândia, Taiwan, Alemanha e Bélgica, que
estão inventando uma forma nova de “fazer política”: menos
viril, menos normativa, menos dogmática. Uma forma mais atenta aos
cuidados de que a população precisa e ao diálogo. São governos
que tiveram grande sucesso em conter a pandemia com clareza,
objetividade, assertividade, firmeza, respeito à ciência e,
sobretudo, respeito e cuidado para com os cidadãos.
Mas a questão das mulheres é também de
gênero e classe social. Mulheres das classes média e alta têm mais
recursos e podem lidar melhor com seu tempo diante do trabalho, o que
é muito diferente no caso de mulheres de baixa renda e negras. Elas
são as que menos têm acesso à saúde pública e as que mais
apresentam problemas cardíacos e respiratórios recorrentes. São
elas, também, que estão na outra ponta da saúde: há muitas
enfermeiras negras e pardas sendo contaminadas e morrendo de
covid-19. Elas assumem o cuidado com os pacientes e até com os
médicos, desempenhando o mesmo papel em casa e no sistema de saúde.
E são ainda mais vulneráveis porque muitas delas estão trabalhando
sem a proteção necessária, e porque em geral já estão
sobrecarregadas com o trabalho doméstico. E nem sempre “casa”
quer dizer “lar”. Casa sempre foi um local de repouso e abrigo.
Já lar é um conceito criado pela burguesia, no século XIX, que
tendeu a idealizar esse lugar, sublinhando o modelo de família
estruturada e esquecendo dos conflitos por lá inerentes. Muitas
vezes romantizamos esse espaço, sem ver que, nesse contexto
pandêmico, os números de violência doméstica aumentam. Os de
feminicídio e de infanticídio também.
A desigualdade tem muitas dimensões e a
pandemia escancara as nossas. Ela chegou ao país de avião, por meio
de pessoas da elite que estavam no estrangeiro e voltaram
contaminadas — tanto que os primeiros dados incidem sobre os
bairros mais nobres. Mas o que está acontecendo agora é que o vírus
chegou com força nas periferias, nos subúrbios, nas comunidades e
favelas espalhadas pelo país. Em São Paulo a pandemia já é muito
mais concentrada na periferia do que nos bairros centrais. No Rio de
Janeiro, em Manaus e em Fortaleza, idem, e em Salvador o perfil
parece estar se repetindo. Além do mais, dados vêm mostrando como
ela tem incidido sobretudo na população negra, a mais afetada pela
pandemia da covid-19.
E quando dizemos “fique em casa,
mantenha o isolamento” temos que refletir não só acerca da nossa
“bolha”, mas sobre as condições de vida dessas populações.
Muitas moram em cômodos únicos com seis ou mais pessoas. Pouco ou
não atendidas por serviços de saneamento básico como água potável
e tratamento de esgoto, as populações pobres são também vítimas
preferenciais de doenças como anemia, problemas pulmonares e pressão
alta. Por isso, numa pandemia, elas são duplamente castigadas. Por
outro lado, no que se refere à educação, mais uma vez ficam
acirradas as nossas desigualdades. Longe de mim achar que as crianças
que estudam em escolas privadas não estejam sendo afetadas pela
covid-19. Perderam a sociabilidade, a oportunidade de aprender em
conjunto, de encontrar colegas e professores. Mas se a crise é ruim
ela é de alguma maneira contornável. O que dizer de crianças que
moram em locais sem internet, que não têm computadores e tampouco
pais e amigos para lhes ajudarem? Mais uma vez, a Pandemia apenas
evidencia nossa renitente desigualdade.
Por sinal, o Brasil consistentemente vai
ganhando posições de proeminência nesse quesito. É o sexto país
mais desigual do mundo. É o primeiro, junto com Catar, dentre os
países democráticos. O Brasil não é um país pobre, mas é um
país de pobres.
O certo é que essa Pandemia apresenta
muitas faces, no Brasil e no mundo.
O historiador britânico Eric Hobsbawm
disse que o longo século XIX só terminou em 1918, com o fim da
Primeira Guerra Mundial. Acreditava-se então no progresso e na
evolução. Euclides da Cunha, por exemplo, aqui no Brasil dizia:
“Estamos condenados ao progresso”, como se o progresso fosse uma
danação de uma sociedade que gostava de se chamar de “civilização”.
No entanto, a Primeira Guerra mostrou como esses mesmos povos estavam
mais próximos da barbárie e da destruição, e o conflito retirou
todo o lustro civilizatório da Belle Époque europeia.
O mundo, ao contrário, não era tão
civilizado quanto se imaginava. As pessoas guerreavam corpo a corpo e
voltavam mutiladas e traumatizadas, em silêncio. Mas um silêncio
cheio de ruídos. Por isso Hobsbawm tem razão: os séculos não
terminam com o virar da folhinha do calendário, mas quando grandes
crises colocam em questão verdades que já pareciam consolidadas.
A grande marca do século XX foi a
tecnologia e a ideia de que ela nos emanciparia e libertaria.
Discordo da afirmação de que não estávamos globalizados no século
XIX , mas foi apenas no século XX que a tecnologia ganhou escala
mundial e acelerou o nosso tempo. Graças a ela, acreditávamos estar
nos livrando das amarras geográficas, corpóreas, temporais. Não
estávamos! Ao deixar mais evidente o nosso lado humano e vulnerável,
a pandemia da covid-19 marca o final do século XX.
A doença, seja ela qual for, produz uma
sensação de medo e insegurança. Diante desse tipo de crise
sanitária, nossa primeira reação é dizer que sairemos imunes.
Antes de virar uma pandemia, as mortes nos soam muito distantes, e o
discurso do “não vai acontecer comigo” é natural. Reconhecer um
problema do tamanho de uma pandemia também é algo custoso, em
vários sentidos, por isso sempre se vê algum tipo de negacionismo.
No começo do século, em 1903, a expectativa de vida era de 33 anos.
O Brasil era chamado de “grande hospital” e tinha todo tipo de
doença: lepra, sífilis, tuberculose, peste bubônica, febre
amarela. Quando o presidente Rodrigues Alves assume o poder e indica
um médico sanitarista para combater a febre amarela, a peste
bubônica e a varíola, eles começam exterminando ratos e mosquitos
e depois passam a vacinar a população.
Mas na época os brasileiros não foram
bem informados e reagiram de muitas maneiras. Essa foi a primeira
revolta do pós-abolição e a primeira da República que prometeu
inclusão, mas entregou muita exclusão social. Aliás, o mesmo
Rodrigues Alves estará de volta ao poder no contexto da gripe
espanhola de 1918, não como presidente na ativa, mas como presidente
eleito. E é dele a ideia de, como Oswaldo Cruz já havia morrido,
indicar o herdeiro dele, Carlos Chagas. As autoridades brasileiras já
sabiam da propagação da gripe espanhola no mundo, e mesmo assim não
agiram a tempo. O vírus entrou a bordo de navios que atracaram no
Brasil e então a contaminação explodiu. Mas a atitude sempre foi
essa: “Não somos um país de pessoas idosas, nosso clima é
quente, aqui a gripe não pega”.
Uma particularidade do momento que
vivemos é que as pessoas recebem informações com muito mais
velocidade, o que pode ser uma vantagem e uma desvantagem. Uma
vantagem porque o acesso à informação foi democratizado, sem
tantos intermediários. O conhecimento está mais rápido: todo fim
da tarde é possível verificar os dados sobre novos casos de
contaminação e novas mortes ocasionadas pela covid-19. A
desvantagem é que estamos expostos à ambiguidade das redes: boa
parte das fake news no Brasil é negacionista. Elas contestam a
gravidade da situação e a importância do isolamento. Também fazem
crer em milagres, investindo pesado na propaganda de remédios que
não têm eficácia comprovada e podem agravar o estado de saúde dos
pacientes, desfazendo os ganhos da ciência. Mais do que nunca,
precisamos ser seletivos em relação a nossas formas de
conhecimento. Precisamos aprender a reconhecer quais são os veículos
idôneos e quais são os profissionais que se pautam por pesquisas e
dados. Quem são os especialistas e quem são os populistas que
pretendem fazer sucesso em cima de tantas mortes.
Como afirmar que o Brasil corre menos
risco porque sua população é mais jovem, se ela é também muito
mais desigual que a de países europeus que já se veem
sobrecarregados pelos efeitos da pandemia? O negacionismo cria o bode
expiatório. E esse fenômeno é recorrente na nossa história.
A conta agora recai sobre os idosos.
Nossa sociedade não sabe lidar com a morte, e por isso relutamos
tanto em envelhecer, criando o mito da eterna juventude. A juventude
é uma construção histórica e cultural, que varia muito a cada
época. Fica claro que somos uma sociedade que transforma a história
e os idosos em “velharias”. Juventude não é, porém, uma
qualidade — é uma forma de estar no mundo que independe de idade.
E a pergunta que cada um de nós tem que fazer é: alguém tem o
direito de dizer quem pode ou não pode morrer? No Ocidente a velhice
é vista não como um momento de sabedoria, mas apenas como
decrepitude. E isso também tem a ver com a tecnologia: velho é
aquele que não sabe lidar com ela. Portanto, que seja isolado. E
aguarde a morte. Pior: não sabemos falar sobre o luto. Não vemos o
presidente do Brasil pronunciar uma única palavra de solidariedade
às famílias das pessoas que morreram, como se não quisesse nem
tocar no assunto. E a essa altura não existe quem não tenha o seu
luto: um amigo, um inimigo, um parente, um conhecido.
Esse pensamento combina muito bem com uma
sociedade que nega a história, por exemplo, ao dizer que em 1918 não
tínhamos as condições de combate à crise que temos hoje. Esse é
um uso equivocado e negacionista da história: refutar o passado e
dizer que o que aconteceu naquela época não vai acontecer agora.
Negar o passado significa também não aprender com ele — com
nossos erros e acertos.
Se cuidarmos melhor das populações
vulneráveis — e aí se incluem os idosos, a população de baixa
renda e os negros e negras —, estaremos cuidando melhor de nós
mesmos, não só numa dimensão simbólica, como também de maneira
prática. Aliás, como mostra Silvio Almeida, não teremos uma
democracia enquanto praticarmos um racismo institucional e estrutural
como o que vivemos no Brasil. O racismo é institucional pois só
vemos pessoas brancas nas posições de mando e direção. O racismo
é estrutural uma vez que se insere, perversamente, em todas as
entranhas do sistema: na saúde, na educação, no trabalho, nos
transportes, nos índices de nascimento e de morte. É estrutural,
também, pois parece “natural” e invisível por parte das elites.
Somos capazes de “ver”, pois esse é um atributo biológico; no
entanto, temos muita dificuldade de “enxergar”, uma vez que essa
é uma escolha cultural e todos nós somos “míopes culturais” e
sistematicamente fazemos da “branquitude” uma realidade sem pejas
e receios.
O racismo foi uma criação branca,
portanto, cabe a toda a sociedade brasileira lidar com ele. O
protagonismo é de negras, negros e negres (numa referência aqui a
identidades de gênero), mas a pauta é de todos nós. Por sinal,
nada mais denunciador do que o conceito de “novo normal”. A
pergunta que não quer calar é: “novo normal” para quem? Para as
elites que moram em seus “lares”, têm seus computadores
individuais e quartos privativos ou para a imensa maioria da
população brasileira que não tem acesso a essas benesses?
Já não basta dizer que não somos
racistas. Não funciona mais. É preciso ser antirracista, como
definiram Angela Davis e Djamila Ribeiro aqui no Brasil. E ter
certeza de que a questão não é só moral. Trata-se de uma
responsabilidade que implica ações e atitudes de todos nós, em
todos os lugares e setores.
Somos um país que vai se mostrando
avesso a qualquer tipo de “ressarcimento”, e mesmo à memória.
Por exemplo, nunca aprovamos uma política de ressarcimento aos
ex-escravizados e ex-escravizadas; na verdade, foram eles os únicos
a pagar por suas alforrias, uma vez que compensavam, com o esforço
de seus trabalhos, os proprietários e senhores de escravos,
comprando a própria liberdade.
O mesmo aconteceu com o golpe militar de
1964. Enquanto outros países vizinhos fizeram comissões e julgaram
e puniram os militares envolvidos nas ditaduras latino-americanas, o
processo no Brasil foi muito mais brando. Até porque a Constituição
de 1988 permitiu a autonomia das Forças Armadas para definir
assuntos de seu interesse. O resultado ficou latente no andamento da
Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório final foi entregue à
então presidente Dilma Rousseff em 10 de dezembro de 2014. O
documento apontou 377 responsáveis direta ou indiretamente pela
prática de tortura e assassinato entre 1964 e 1985. Mas a indicação
dessas pessoas não implicou sua “responsabilização jurídica”.
O relatório fez recomendações ao governo, entre as quais a de que
os acusados de cometer crimes contra a humanidade respondessem na
Justiça, além de recomendar o necessário reconhecimento pelas
Forças Armadas de seu papel na violação de direitos humanos no
Brasil. No entanto, a responsabilização criminal, que daria ensejo
a uma revisão da Lei da Anistia de 1979, não foi unanimidade e a
situação permanece intocada até hoje.
Aliás, impressiona o lugar do Exército
na história do Brasil, que garante para si esse papel “tutelar”,
de “salvador” da pátria. Os países têm exército e têm também
toda uma população de reserva para a hipótese de haver uma guerra.
Se o Estado brasileiro levasse a sério a metáfora bélica, que
tanto utiliza, deveria ter criado uma estrutura semelhante para lutar
nas “guerras de saúde”. Mas ele não dispõe nem sequer de um
sistema para prevenir epidemias e se dá ao luxo de demitir dois
Ministros da Saúde especialistas, para colocar um militar no comando
provisório (e permanente) da pasta. É preciso inverter os termos
bélicos, e pensar que essa pode ser uma “crise humanitária”,
que depende de todos nós.
Uma doença só existe quando se concorda
que ela existe. É preciso mostrar para a população que estamos
doentes. Se não temos diretrizes claras por parte do governo, se
nosso presidente insiste em dar contraexemplos e apoiar aglomerações,
não há argumento que dê conta de se opor ao negacionismo de parte
da população brasileira.
Passaram-se cem anos desde que a gripe
espanhola chegou ao Brasil, e as alternativas que temos hoje para
combater a pandemia da covid-19 não são muito diferentes das usadas
naquela época. As reações em 1918 foram muito semelhantes às de
agora: havia poucas pessoas nas ruas, todas usando máscara, as
igrejas ficaram fechadas, os teatros eram lavados com detergente, os
bondes limpos com álcool. A humanidade ainda não inventou outra
maneira de lidar com a pandemia a não ser aguardar o remédio ou a
vacina.
Nossa prepotência é um pouco esta:
achar que somos uma sociedade muito racional, que se pauta pela
tecnologia, quando na verdade estamos sempre esperando por um milagre
atrás do último arco-íris.
Toda vez que passamos por uma grande
crise, nossa principal reação é basicamente a mesma: “Agora nós
aprendemos, nunca mais vamos fazer isso”. Mas as crises continuam a
acontecer. A pandemia já vinha se anunciando, e as nações não
tomaram atitudes preventivas, buscando montar exércitos da saúde.
Era preciso que se antecipassem à pandemia, não que corressem atrás
do prejuízo. Se a humanidade aprendesse com o passado, os
historiadores seriam visionários. Mas, infelizmente, não acredito
na ideia de que nós deixamos de repetir o passado. Infelizmente a
humanidade é teimosa. Vem se repetindo em termos de violência, de
intolerância, de racismo, de xenofobia. Mas, já que é a primeira
vez que esta geração vive algo do tipo, quem sabe algumas coisas
não mudam? Vários países já estão começando a pensar em
estruturas que não apenas reajam, mas prevejam pandemias como esta e
outras que virão.
O problema é que nós temos no Brasil um
governo que não acredita na ciência. Um governo autoritário e
populista que só acredita em si mesmo, acha que tem respostas para
tudo e fala diretamente com o povo, sem necessidade da ciência, dos
acadêmicos, dos jornalistas, das instituições democráticas. Em
horas como esta, fica cada vez mais claro que a saída virá da
ciência, com a vacina ou o remédio que venha a controlar a
pandemia. Na época da gripe espanhola, Carlos Chagas se tornou mais
popular do que cantores e jogadores de futebol — as charges
retratavam isso.
Não estranharia se nossos próximos
presidentes fossem médicos. O que vários países estão aprendendo
é a importância de ter um Ministério da Saúde forte, ocupado por
especialistas de verdade, e não contar apenas com um político, mas
com um político especialista. A ciência, antes o grande vilão, é
hoje a grande utopia.
Sou pessimista no atacado e otimista no
varejo. Se cada um exercer sua cidadania, sua vigilância cidadã,
quem sabe damos sorte no azar. Quem sabe fazemos dessa crise única
na história brasileira — porque é social, econômica, ambiental,
cultural, moral e da saúde — uma oportunidade. O fato é que a
sociedade civil está comparecendo. A população acordou para a
importância do SUS e da ciência. Lutar pelo SUS , nesse momento, é
virar um defensor dos direitos humanos. O Brasil já se perdeu e já
se encontrou várias vezes em sua história. O novo coronavírus está
gerando muita dor, muita solidão, muita insegurança, muito luto.
Mas é hora de fazer da crise um propósito. Quem sabe construiremos
um cotidiano com mais tempo e qualidade? Quem sabe não aprenderemos
a dar tempo ao tempo?
Já havia muitos sinais do desgaste da
utopia tecnológica do século que agora termina. É mais do que
óbvio o quanto estávamos e ainda estamos abusando da natureza, e os
desastres climáticos e ambientais de proporções inéditas são
prova disso. Há muito tempo vimos recebendo alertas de cientistas,
ambientalistas, ativistas e lideranças indígenas sobre a “queda
do céu”, título do impressionante livro de Davi Kopenawa. Nossa
marcha desenfreada pela tecnologia agora se depara com essa pandemia,
e começamos a nos despedir, tristemente, da utopia do século XX.
Bem-vindos ao século XXI.
Lilia Moritz Schwarcz, in Quando acaba o século XX
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