E os índios?
O que têm os índios?
O que você achou dos índios do Brasil?
Fodam-se os índios do Brasil. Toquem
fogo na floresta. Vão à merda.
Que turista é você? E a febre amarela?
Só lembro de Yamami.
Yamami.
Sempre gostei de crianças. Aqui é
proibido. Yamami, meu tesouro perdido. Passei por uma cidade chamada
Cuiabá, depois Corumbá. Parintins, Parin-tintins, sei lá. Viajei
no barco Barão do Amazonas.
Há peixes gigantes?
Não, pequenos.
Como pequenos?
Minhocas sul-americanas, não enche o
saco.
Puta que pariu. O barco na corrente.
Manaus é a capital, chegamos. O mercado à boa do rio é um rio de
frutas. As maçãs macias. Belíssimas melancias.
Não, não trouxe fotografias.
Como não?
Não tive tempo.
Como não?
Fotografar aquela merda é um
desperdício.
Merda?
Fiquei em um hotel em cima do Rio Negro.
Vento calorento. Meu sonho era esse, sair da frieza deste meu lugar.
Ir ao extremo.
Você chega, estanca seu olhar em volta,
seu olhar em cada buraco, estopa, saco. E vê no mercado. Um extenso
mercado no centro da cidade. A puta que você vê tem onze anos. Ou
menos. Parece. Não cresce. Vive seminua, sujinha e deliciosa,
esperando a lotação da balsa. Há tucanos para vender. E corpos.
Vivi Yamami lá.
Indiazinha típica de uns 13 anos. As
unhas pintadas, descalçadas. Tintas extintas na cara. Coisinha de
árvore. A pele vermelha e ardente. Virei um canibal, de repente. Não
é tão deliciosa a carn e de tamanduá-bandeira.
E a madeira?
O quê?
Dizem que há muita madeira e borracha.
Besteira. Eles não têm nada.
Segui o rastro que desce pelo mercado. O
mercado é intransitável. Os gritos irritam. Tudo bem. Falam demais
os nativos, são simpáticos. Yamami não saiu do meu juízo. Há
outras putinhas no entulho. Você quer ir para Santarém, tem. Se não
quer ir, tem. Os barcos a motor. Muita gente já se foi nesse vaivém.
Não voltaram mais. Há navegações que afundam com mais de cem.
Pisquei para Yamami e saímos. Fiz sinal
de fumaça, acendi um cigarro. Yamami, venha comigo. Sou um branco
pálido e telepático. Estou de férias, caralho, longe do meu país,
infeliz. Yamami, minha meretriz, o meu turismo.
Outras meninas gaiolando os gringos.
Também brasileiros vêm e se enroscam na rede. Há cheiro fudido de
peixe, morte de passarinhos.
Mora na minha memória aquele umbigo. A
mão fininha de Yamami vai e vindo. O vento do rio no mato. Trabalhar
o ano inteiro fechado nesse laboratório, isso é vida? Ficar fazendo
teste de urina, para quê? Quero ir embora deste meu destino. Não
quero morrer no primeiro mundo. Quero morrer no horizonte.
Estonteante. Nos esconderijos de Yamami. Minha Liberdade sensível. O
cheiro caçador de Yamami, os seus peitinhos. Pequenininhos. Seus
olhos flechando os meus testículos. O mercado verde está Longe e
feliz.
Minha alegria primitiva, Yamami. O meu
sorriso.
E os crocodilos?
Morram os crocodilos.
Lá posso colocar Yamami no colo e
ninguém me enche o saco. E ninguém fica me policiando. Governo me
recriminando.
Dizem que lá tem muita criança na rua.
Nua.
É comum, por todo canto. Dizem que tem
menina abandonada em Rondônia, Roraima. No Ceará, em Pernambuco.
Vendidas no coração de Rio Branco.
Yamami pulando, chupando caroço de
manga, me lambuzando. Yamami escorregando pelos galhos, nos cipoais
do pântano.
Virei amante de Yamami, ao ar livre. Dei
dinheiro para Yamami, jóias, espelhos, colares. Fiz Yamami vestir
calcinhas coloridas. Minha menina.
Você não gostou do Brasil?
Yamami veio me deixar no escadós do
barco. Ela e algumas amiguinhas. Yamami, Cauã, Jacira, Luanda. Coisa
bonita o choro de Yamami. O vento acenando as suas penas. De pavão,
na despedida. Penas de arara. O mercado cheirando a merda. A bacia do
rio indo embora e me levando.
Não gostei do Brasil, caralho.
Yamami não tem nada a ver com o Brasil.
O Brasil é São Paulo, uma cidade longe, parecida com esse
continente de gelo, Yamami.
O meu corpo vazio.
Marcelino Freire, in Contos Negreiros
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