sábado, 24 de outubro de 2020

O peregrino, o colar e o perfumista

        Em seu caminho para Meca, um peregrino passou por Bagdá, e ali, com muito esforço, tentou vender um colar seu que valia mil moedas de ouro. Não tendo encontrado comprador, foi até um perfumista de quem diziam ser um homem de bem e com ele deixou o colar. Então fez a peregrinação a Meca e retornou. Com um presente, foi até o perfumista, que lhe perguntou:
Quem é você? E o que é isso?
Ele respondeu:
Sou o dono do colar deixado com você.
O peregrino nem bem terminou de falar e o perfumista lhe deu um pontapé que o atirou para fora da loja e lhe disse:
Como você faz semelhante alegação contra mim?
As pessoas se aglomeraram por ali e disseram ao peregrino:
Ai de ti! Este é um homem de bem! Você não encontrou outra pessoa contra a qual fazer alegações?
Perplexo, o homem insistiu em falar com o perfumista, que não fez senão aumentar as ofensas e agressões. Disseram-lhe então:
Seria bom que você fosse ao sultão ‘Ûdud Addawla. Ele tem bons métodos para resolver estas coisas.
O peregrino escreveu a história e foi levar o papel a ‘Ûdud Addawla. Ao lê-lo, o sultão gritou chamando-o, e o peregrino se apresentou. Perguntou sobre o que ocorrera, e o peregrino lhe relatou o caso. ‘Ûdud Addawla disse:
Vá até o perfumista amanhã pela manhã e sente-se no banco diante de sua loja. Se ele expulsá-lo, sente-se no banco do outro lado da rua, e ali permaneça desde o amanhecer até o entardecer. Não lhe dirija a palavra. Repita essa ação por três dias. No quarto dia, eu passarei por ali, pararei e cumprimentarei você. Não fique de pé para mim nem faça mais do que responder à minha saudação e às perguntas que eu lhe dirigir.
E assim o peregrino foi até o perfumista, que o impediu de sentar-se no banco em frente da loja. Durante os três dias seguintes, ele se sentou no banco do outro lado da rua. No quarto dia, ‘Ûdud Addawla passou por ali com seu magnífico cortejo e, ao avistar o peregrino, parou e disse:
Que a paz esteja convosco!
Sem se movimentar, o peregrino respondeu:
Convosco esteja a paz!
Ûdud Addawla perguntou:
Meu irmão, você vem até Bagdá e não vai nos visitar nem nos dizer quais são as suas necessidades?
O peregrino respondeu:
Assim foi!
E não esticou a conversa, por mais que o sultão perguntasse e demonstrasse preocupação. Ele parara, e com ele todos os soldados do seu cortejo. O perfumista quase desmaiou de medo. Quando o cortejo se retirou, o perfumista se voltou para o peregrino e perguntou:
Ai de ti! Quando você deixou o colar comigo? Em que estava enrolado? Ajude-me a recordar, quem sabe assim eu me lembro!
O peregrino disse:
As características do colar eram tais e tais.
O perfumista começou a vasculhar tudo. Esbarrou em uma jarra que havia na loja e o colar caiu de cima dela. Então ele disse:
Eu tinha me esquecido. E se agora você não me tivesse feito recordar, eu não teria lembrado!

Mamede Mustafa Jarouche, in Histórias para ler sem pressa

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