Houve ampla cobertura da imprensa e da
televisão, e a senhora estava para escrever um livro sobre tudo
isso. O nome da senhora era Hester Adams, duas vezes divorciada, dois
filhos. Tinha 35 anos, e alguém poderia imaginar que essa seria sua
última jogada. As rugas estavam aparecendo, os peitos estavam caindo
já há algum tempo, os tornozelos e as panturrilhas estavam
engrossando, já havia sinais de uma barriga. A América aprendeu que
a beleza reside apenas na juventude, especialmente para a mulher. Mas
Hester Adams tinha a sombria beleza da frustração e da perda
vindoura; era algo que rastejava por cima dela, a perda vindoura, e
dava-lhe alguma coisa sexualmente atrativa, como uma mulher
desesperada para quem o tempo está passando enquanto ela continua
sentada em um bar cheio de homens. Hester tinha olhado ao redor,
visto poucos sinais de ajuda vindos dos homens americanos e entrou em
um avião para a América do Sul. Entrou na selva com sua câmera,
sua máquina de escrever portátil, seus tornozelos que estão
engrossando, sua pele branca e arranjou para si um canibal, um
canibal negro: Maja Thurup. Maja Thurup tinha uma cara com um bom
aspecto. Seu rosto parecia estar marcado por mil ressacas e mil
tragédias. E era verdade: passara por mil ressacas, mas todas as
tragédias tinham a mesma origem: Maja Thurup tinha o pau maior do
que a média, muito maior do que a média. Nenhuma garota na aldeia o
aceitava. Tinha provocado a morte de duas garotas com seu
instrumento. Uma tinha sido penetrada pela frente e a outra por trás.
Não fazia diferença.
Maja era um homem solitário que bebia e
pensava em sua solidão até que Hester Adams chegou com um guia e
sua pele branca e uma câmera. Depois das apresentações formais e
algumas bebidas perto do fogo, Hester tinha entrado na cabana de Maja
e aguentado tudo o que Maja Thurup podia meter e ainda pediu por
mais. Era um milagre para ambos, e os dois se casaram em uma
cerimônia tribal de três dias, durante a qual homens capturados de
tribos inimigas eram assados e comidos em meio a danças,
encantamentos e embriaguez. Foi depois da cerimônia, depois que as
ressacas passaram, que os problemas começaram. O pajé, notando que
Hester não partilhara da carne assada do homem da tribo inimiga
(decorada com abacaxi, azeitona e nozes), anunciou para todos que não
se tratava de uma deusa branca, mas uma das filhas de um deus mau
chamado Ritikan. (Séculos atrás, Ritikan tinha sido expulso do céu
tribal por se recusar a comer qualquer coisa além de vegetais,
frutas e nozes.) O anúncio causou dissensão na tribo, e dois amigos
de Maja Thurup foram imediatamente assassinados por terem sugerido
que a habilidade de Hester de lidar com todo o tamanho do pau de Maja
era em si um milagre e o fato de que ela não ingeria outras formas
de carne humana poderia ser perdoado, pelo menos temporariamente.
Hester e Maja fugiram para a América,
para North Hollywood para ser mais preciso, onde Hester deu início
aos procedimentos para tornar Maja Thurup um cidadão americano.
Sendo uma antiga professora de colégio, Hester começou a instruir
Maja no uso de roupas e da língua inglesa, a beber cervejas e vinhos
da Califórnia, a assistir à televisão e a se alimentar de comidas
compradas no Safety Market mais próximo. Maja não apenas via
televisão, mas também aparecia nela com Hester, e eles declararam
seu amor publicamente. Então voltaram para seu apartamento em North
Hollywood e fizeram amor. Depois Maja sentou no meio do tapete com
seus livros de gramática inglesa, bebendo cerveja e vinho e cantando
cantos nativos e tocando bongô. Hester trabalhava em seu livro sobre
Maja e Hester. Uma grande editora estava esperando. Tudo que Hester
precisava fazer era escrever.
Certa manhã, eu estava na cama lá pelas
oito horas. No dia anterior eu perdera quarenta dólares em Santa
Anita, minhas economias na conta do California Federal estavam se
tornando perigosamente baixas e eu não tinha escrito uma história
decente em um mês. O telefone tocou. Levantei, pigarreei, tossi e
atendi ao telefone.
– Chinaski?
– Sim?
– Aqui é Dan Hudson.
Dan dirigia a revista Flare de
Chicago. Ele pagava bem. Era o editor e o diretor.
– Olá, Dan, nossa.
– Olha, tenho algo para você.
– Claro, Dan. O que é?
– Quero que você entreviste uma puta
que casou com um canibal. Torne o sexo GRANDE. Misture amor com
horror, sabe?
– Sei. Tenho feito isso minha vida
toda.
– Pago quinhentos dólares se conseguir
entregar antes do prazo final, que é 27 de março.
– Dan, por quinhentos dólares consigo
fazer do Burt Reynolds uma lésbica.
Dan me passou o endereço e um número de
telefone. Levantei, joguei água na cara, tomei dois Alka-Seltezrs,
abri uma garrafa de cerveja e telefonei para Hester Adams. Contei-lhe
que queria dar publicidade a sua relação com Maja Thurup como uma
das maiores histórias de amor do século XX. Para os leitores da
revista Flare. Afirmei-lhe que isso ajudaria Maja a obter sua
cidadania americana. Ela concordou com a entrevista, e marcamos para
a primeira hora da tarde.
Era um apartamento no terceiro andar de
um prédio sem elevador. Ela abriu a porta. Maja estava sentado no
chão, com seu bongô, bebendo uma garrafa de um vinho do Porto
direto do gargalo. Estava descalço, vestia calças jeans apertadas e
uma camiseta branca com listras pretas, zebrada. Hester estava
vestindo uma roupa idêntica. Trouxe-me uma garrafa de cerveja,
peguei um cigarro do maço na mesa de café e comecei a entrevista.
– Quando você viu Maja pela primeira
vez?
Hester me deu uma data. Também disse a
hora com exatidão e o lugar.
– Quando você começou a perceber os
primeiros sentimentos de amor por Maja? Quais foram exatamente as
circunstâncias que desencadearam a relação?
– Bem – disse Hester –, foi
quando...
– Ela me ama quando eu meto o troço
nela – disse Maja do tapete.
– Ele aprendeu inglês muito
rapidamente, não é mesmo?
– Sim, ele é brilhante.
Maja pegou a garrafa e tomou um bom gole.
– Meto o troço nela, ela dizer “Oh
meu deus oh meu deus oh meu deus!” Rá, rá, rá, rá!
– Maja tem um corpo fantástico – ela
disse.
– Ela engole também – disse Maja –,
ela engole bem. Garganta profunda, rá, rá, rá!
– Amei Maja desde o começo – disse
Hester. – Foram seus olhos, seu rosto... tão trágico. E o jeito
que ele caminhava. Ele caminha, bem, ele caminha meio que como um
tigre.
– Porra – disse Maja –, trepamos e
esporreamos, porra, foda, porra. Estou ficando cansado.
Maja bebeu mais um pouco. Ele me olhou.
– Você fode ela. Eu cansei. Ela grande
túnel faminto.
– Maja tem um senso de humor muito
peculiar – disse Hester. – Isso foi outra coisa que me fez amá-lo
ainda mais.
– A única coisa que você gosta em mim
– disse Maja – é o meu caralho poste telefônico.
– Maja está bebendo desde a manhã –
disse Hester –, você terá de perdoá-lo.
– Talvez seja mais adequado que eu
volte quando ele estiver melhor.
– Acho que sim.
Hester marcou um novo horário comigo,
duas da tarde do dia seguinte.
Tudo corria bem. Eu precisava de
fotografias. Conhecia um fotógrafo totalmente arruinado, um tal de
Sam Jacoby que era bom e cobraria barato. Levei-o até lá comigo.
Era uma tarde ensolarada com apenas uma fina camada de poluição no
ar. Subimos e toquei a campainha. Não houve resposta. Toquei a
campainha mais uma vez. Maja abriu a porta.
– Hester não está – ele disse. –
Foi à loja de conveniências.
– Tínhamos hora marcada para as duas
da tarde em ponto. Gostaria de entrar e esperar.
Entramos e sentamos.
– Mim tocar tambor para você – disse
Maja.
Ele tocou o tambor e cantou alguns cantos
da floresta. Ele era muito bom. Estava bebendo outra garrafa de vinho
do Porto. Ainda estava vestindo sua camiseta listrada ao estilo zebra
e seus jeans.
– Foder, foder, foder – ele disse. –
É só o que ela quer. Ela me deixa louco.
– Sente falta da floresta, Maja?
– Você não caga contra a corrente,
paizinho.
– Mas ela ama você, Maja.
– Rá, rá, rá!
Maja fez outro solo no tambor. Mesmo
bêbado ele era bom.
Quando Maja acabou, Sam me perguntou:
– Você acha que ela pode ter uma
cerveja na geladeira?
– Pode ser.
– Minha cabeça não está boa. Preciso
de uma cerveja.
– Vai lá. Traga duas. Depois compro
mais para ela. Eu devia ter trazido algumas.
Sam levantou-se e foi até a cozinha.
Ouvi a porta da geladeira se abrindo.
– Estou escrevendo um artigo sobre você
e Hester – disse para Maja.
– Mulher buracão. Nunca enche. Como um
vulcão.
Ouvi Sam vomitando na cozinha. Ele bebia
muito. Sabia que estava de ressaca. Mas ainda assim era um dos
melhores fotógrafos em atividade. Então tudo ficou quieto. Sam
voltou caminhando. Sentou-se. Não trouxe a cerveja.
– Eu tocar tambor mais uma vez –
disse Maja.
Ele tocou novamente. Ainda estava tocando
bem. Embora não tão bem como da outra vez. O vinho estava pegando.
– Vamos sair daqui – Sam me disse.
– Tenho que esperar por Hester –
respondi.
– Cara, vamos embora – disse Sam.
– Vocês querem um pouco de vinho? –
Maja ofereceu.
Levantei e fui até a cozinha buscar uma
cerveja. Sam me seguiu. Fui em direção à geladeira.
– Por favor, não abra essa
porta! – ele disse.
Sam caminhou até a pia e vomitou mais
uma vez. Olhei para a porta da geladeira. Não a abri. Quando Sam
acabou, eu disse:
– Tudo bem. Vamos embora.
Caminhamos até a sala da frente, onde
Maja ainda estava sentado tocando seu bongô.
– Eu tocar tambor mais uma vez – ele
disse.
– Não, obrigado, Maja.
Saímos e descemos a escada e ganhamos a
rua. Entramos no meu carro. Dei a partida e arranquei. Não sabia o
que dizer. Sam não disse nada. Estávamos no bairro comercial.
Dirigi até um posto de gasolina e disse ao frentista para encher o
tanque com gasolina comum. Sam saiu do carro e foi até um telefone
público para ligar para a polícia. Vi Sam sair da cabine
telefônica. Paguei pela gasolina. Não consegui minha entrevista.
Fiquei sem os meus quinhentos dólares. Esperei enquanto Sam voltava
para o carro.
Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum
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